310 mil famílias cearenses sobreviveram apenas com a renda do auxílio emergencial em julho

Número representa cerca de 11% dos domicílios do Estado. Famílias com baixíssima renda tiveram um aumento do poder de consumo com recebimento do benefício

Para além de refrear o pesado impacto da pandemia e da restrição de funcionamento das atividades não essenciais sobre a renda das famílias, o auxílio emergencial garantiu que milhares de cearenses tivessem condições de sobrevivência. Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no Ceará, 310 mil famílias viveram apenas com os recursos do benefício em julho.

A pesquisa, com base na Pnad Covid-19, monitoramento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que 11% das residências do Estado dependeram totalmente do benefício, porcentagem acima da média nacional de 6,5% (2,4 milhões de famílias), segundo o Instituto.

O pesquisador do Ipea e coordenador do levantamento, Sandro Sacchet, ainda revela que 38% das residências no Estado não contaram com qualquer renda originada do trabalho, o equivalente a mais de 1 milhão de domicílios. “O Ceará e o Nordeste como um todo têm uma taxa de participação na economia mais baixa. Há bastante informalidade, tanto na zona rural quanto urbana, e foram justamente os mais afetados”, explica.

Ele lembra que, antes mesmo da pandemia, já havia uma proporção significativa de famílias que viviam sem renda do trabalho, dependendo apenas de outras fontes, como benefícios, aposentadoria, pensão, entre outros, realidade que se agravou.

Ainda assim, o Ceará é apenas o 8º Estado em proporção de domicílios que contaram apenas com o auxílio. Em primeiro lugar está o Piauí, com 14,08% das famílias sem outras fontes de renda, seguido da Bahia (13,54%) e Maranhão (12,31%). Na ponta oposta, Santa Catarina registrou a menor dependência do benefício, com apenas 1,89%.

Ontem (1º), o presidente Jair Bolsonaro anunciou mais quatro parcelas do auxílio emergencial, seguindo até dezembro. O valor, no entanto, cairá pela metade, a R$ 300.

Aumento da renda

Historicamente, o nível de renda do cearense é um dos menores no País. A pobreza entre os mais vulneráveis fica evidente quando os domicílios com renda de até R$ 1.650,50 receberam cerca de 24% a mais no mês que no ano passado. No Ceará, a diferença entre a massa salarial habitual – média anterior à pandemia – e a efetiva recebida em julho foi de R$ 650 milhões, valor superado em mais de 2,5 vezes pelo pagamento do auxílio (R$ 1,65 bilhão), segundo o IBGE.

“Essa massa de rendimento total já é bem maior que o habitual, quase R$ 1 bilhão a mais. Uma proporção das famílias já conseguiu recuperar bastante a renda com a volta gradual das atividades, e à medida que continuam recebendo o auxílio, o rendimento já fica maior do que era antigamente”, pontua Sacchet.

O diretor geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mário de França, lembra que o valor do auxílio é maior que o Bolsa Família. “Esse aumento de renda é observado principalmente entre as famílias com nível de renda menor, já que esse patamar já era baixo. Tanto que a taxa de pobreza caiu. Seria uma coisa estranha de acontecer durante a pandemia, mas é exatamente por conta do auxílio”, ressalta.

Para Vitor Hugo Miro, coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC), a redução desses índices demonstra o baixo nível de renda de parcela significativa da população e aponta outro problema a ser resolvido. “Qual a realidade destas pessoas no pós-auxílio emergencial? O Governo Federal ainda não encontrou um desenho adequado para o programa de transferência que será implementado após o auxílio, que deve reduzir o impacto dessa transição”, lembra.

“O Renda Brasil, como vem sendo chamado, deverá ter valores e cobertura superiores ao do Bolsa Família. Mas deve caber no orçamento. A economia está em recessão. Os próximos anos não serão fáceis”.

Leve recuperação

Apesar da alta dependência do auxílio emergencial, a renda média efetiva do cearense tem se recuperado desde maio. Segundo os dados do IBGE, em julho, o rendimento efetivo no Estado foi de R$ 1.557,28, cerca de 88,1% do que as famílias costumavam contar (R$ 1.767,66). Em maio, o valor médio recebido era de 1.321,59 (81%).

Miro esclarece que essa retomada do poder de compra tem a ver com o retorno gradual das atividades econômicas. Ele aponta que o número de trabalhadores ocupados e não afastados vem aumentando, de 1,95 milhão em maio a 2,47 milhões em julho, elevando o rendimento do trabalho.

Por outro lado, o economista Alex Araújo pontua que as pesquisas ainda não mostraram melhora significativa do mercado de trabalho, de forma que o aumento do rendimento efetivo se daria mais pelos efeitos do auxílio. “Temos uma parcela importante da população ocupada informalmente, que depende de uma certa normalidade da circulação de pessoas para prestar o serviço. Então, temos um quadro ainda deprimido”. Ele ainda estima que o mercado de trabalho só deva apresentar alguma melhora no último trimestre do ano.

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DN

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