Ceará tem, em média, 87 internações involuntárias de dependentes químicos por mês

A Lei Federal 13.840/19 entrou em vigor nesta semana e aumentou as possibilidades de internações compulsórias de pessoas que fazem uso abusivo de drogas. A eficácia do tratamento gera discussão entre especialistas

 

 

Não há soluções simples para um problema absolutamente complexo. O uso abusivo de drogas e seus efeitos são sentidos cotidianamente por dependentes químicos e quem os rodeia. Dramas humanos. A mudança da situação requer prioritariamente que pessoas que fazem uso abusivo de drogas queiram tratamento. Na ausência dessa possibilidade, interná-las contra a vontade gera discussões.

 

No Ceará, em 2019, a média mensal, entre janeiro e maio, foi de 87 internações involuntárias de dependentes químicos em hospitais psiquiátricos e clínicas de reabilitação, segundo a Secretaria Executiva da Saúde Mental vinculada à Secretaria da Saúde. Esta semana, a Lei Federal 13.840/19 entrou em vigor e ampliou as possibilidades de internações desse tipo no Brasil.

 

Mas, qual o efeito dessas internações para quem recusa o tratamento? O que muda com a nova lei? Segundo a Secretaria Executiva de Saúde Mental vinculada, neste ano, entre janeiro e maio, o Ceará teve 3.294 internações psiquiátricas involuntárias. Destas, 438 foram motivadas por dependência química. O equivalente a 13,3% do total. Embora questionada, a Pasta não forneceu dados sobre o total de internações voluntárias nesse mesmo período no Estado.

 

Mudanças

 

A aprovação da nova lei, além de aumentar o foco no tipo de internação que deveria ser uma exceção, amplia o rol de pessoas que podem solicitar internações do tipo. Antes somente familiares e responsáveis legais poderiam demandar as internações sem o consentimento do paciente. Agora, esta possibilidade foi estendida a profissionais da saúde, da assistência social e aqueles que integram o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). A restrição aplica-se aos servidores da área da Segurança Pública.

 

O psiquiatra e professor do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), David Lucena, explica que a experiência médica demonstra que no caso do uso abusivo de drogas, geralmente, a internação voluntária tem um desfecho melhor em longo prazo, enquanto a involuntária apresenta mais dificuldades.

 

“Aquela pessoa que vai voluntariamente se internar, ela tem um menor potencial de recair na droga, mas mesmo assim ainda é alto. A internação involuntária para o uso de drogas é um pouco questionável porque se o indivíduo vai sem o juízo crítico, em uma fase que a gente chama de pré-contemplação, ele não está nem contemplando a possibilidade de parar de usar. Se ele é internado involuntariamente, na maioria das vezes, quando tem alta, ele volta a usar”.

 

Porém, pondera ele, em casos extremos, a pessoa que faz uso problemático de drogas está “completamente entregue a essa condição” e a internação involuntária pode ser uma possibilidade. “Principalmente quando a pessoa está em risco de vida ou está colocando outras pessoas em situações vexatórias”, explica.

 

Causas

 

David acrescenta que as principais drogas consumidas de modo problemático pela população no Ceará são bebida, crack, cocaína, maconha e algumas medicações como os benzodiazepínicos (usada para tratar sintomas da ansiedade). Muitas vezes, ressalta ele, os pacientes consomem múltiplas drogas.

 

No Hospital de Saúde Mental de Messejana, em Fortaleza, segundo a assessoria de comunicação, os transtornos decorrentes do uso de múltiplas drogas são uma das principais causas de internação. Embora a reportagem tenha solicitado dados discriminados sobre a quantidade de internações psiquiátricas voluntárias, involuntárias e compulsórias de pessoas com dependência química na unidade, estas informações não foram concedidas pelo hospital até o fechamento desta edição.

 

Para a professora da Universidade de Brasília (UNB) e membro do Conselho Consultivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Andrea Gallassi, exemplos históricos e científicos demonstram que, não só no Brasil, mas em outros países, “a força não é a melhor estratégia para cuidar de pessoas que sofrem com esse problema social complexo”.

 

Ela avalia que há, por parte daqueles que defendem a abstinência total, uma tentativa de argumentação contrária à perspectiva de redução de danos (aquela que concebe que os pacientes em processo terapêutico ainda podem fazer uso de drogas, visto que há uma grande dificuldade em parar completamente). Este argumento, explica ela, quer criar uma visão de que a redução de danos é permissiva com o uso da droga. Mas, pondera ela, “isto não é real”.

 

“A internação involuntária provoca ainda mais repulsa ao tratamento. Na redução de danos você tem que trabalhar a motivação do paciente para ele querer se tratar. Estimular ele a pensar, ajudá-lo a refletir sobre os benefícios que o não uso pode trazer no trabalho, na família. É a motivação que deve ser usada como ingrediente básico”.

 

Conforme avaliação da pesquisadora, o investimento na abordagem motivacional psicossocial que se contrapõem à internação involuntária é um processo demorado e, na maioria das vezes, não produz resultados imediatos, por isso, não é o foco das decisões.

 

Rede Estadual

 

A titular da recém-criada Secretaria Executiva de Saúde Mental do Ceará, psiquiatra Lisiane Cysne, avalia que adoção da norma está vinculada às perspectivas de abstinência em detrimento da possibilidade de redução de danos, cuja abstinência é uma consequência. A secretária ressalta que nas unidades da rede estadual, a internação involuntária não é algo que se propõe. Questionada sobre os possíveis efeitos da adoção desta nova orientação para o tratamento ofertado na rede estadual, a secretária Lisiane Cysne preferiu não fazer nenhuma avaliação.

 

 

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