Como a menor cidade do Ceará enfrenta a maior pandemia dos últimos tempos

No interior cearense, o município de Granjeiro registrou o primeiro caso de Covid-19 após três meses de isolamento social

“O pessoal ficava volteando na rua e eu dizia: tá fazendo o que aí sem máscara?”, lembra Erivano Galdino, 40 anos, padre de Granjeiro, no interior do Ceará. “Tinha de reclamar e pedir pra fazer caminhada depois que a pandemia passasse.”

Mais tarde, na homilia, celebrada por ele sozinho dentro da igreja matriz e transmitida por alto-falante aos fiéis reunidos na praça (“mas sem aglomerações”), o santo homem acrescia à leitura das escrituras umas pitadas de recomendação com a saúde. “Era a minha parte no combate ao coronavírus”, reconhece enquanto se prepara para mais uma novena.

Os esforços do padre e de outros moradores de Granjeiro surtiram efeito. A 486 quilômetros de Fortaleza, a cidade havia atravessado mais de três meses de isolamento social sem registrar um único caso de Covid-19 – até a tarde desta quinta-feira, 25.

No hospital público, localizado numa ladeira de terra batida que dá acesso ao município com apenas 4.844 habitantes, a enfermeira Regilane Silva Primo confirma que, havia pouco, a unidade tinha recebido os exames de um paciente suspeito. Dera positivo.

“É um homem aqui da serra Canabrava, um distrito. Infelizmente, é nosso primeiro caso da doença”, relata a jovem profissional.

Trata-se de um motorista, de menos de 50 anos, que faz transporte alternativo entre Granjeiro e Juazeiro do Norte, distante dali pouco mais de 100 km. “Provavelmente ficou doente lá e veio pra cá”, atesta uma integrante da equipe médica.

Para Regilane, porém, não importa onde o morador foi infectado, mas os cuidados para mantê-lo sem contato com outras pessoas. Ela se preocupa agora com a possibilidade de esse paciente se multiplicar por dois ou três e assim por diante, provocando mais contágios. Das 36 notificações feitas nesse período na localidade, 34 foram descartadas. Apenas duas eram suspeitas – numa, a suspeita se confirmara.

“Aqui não temos leitos com ventiladores mecânicos, não temos suporte. Se houver doentes graves, terão que ir para Juazeiro ou Crato, que já estão esgotados”, avalia, projetando um cenário que todos em Granjeiro vêm tentando evitar desde o início de março.

Naquele mês, Camila Lídia, 33, quase chegou a fazer uma promessa: só sairia de casa por motivo de urgência. Casada com Vicente Pereira, ficou enfurnada por quase 100 dias. Uma das poucas exceções foi hoje, quando precisou visitar um parente na sede e aproveitou para pegar ar fresco na praça na hora da missa.

“Aqui é uma cidade pacata, quase não tem jovem. É por isso que o coronavírus não veio pra cá. Os jovens não querem saber daqui”, constata.

O marido assente com a cabeça. “É um lugar sossegado mesmo. Veja que, uma hora dessas (18h30min), não tem quase ninguém na rua”, aponta em derredor, onde umas poucas cadeiras estavam ocupadas.

Montadas na entrada e na saída do município, as barreiras sanitárias tampouco pareciam mais movimentadas. Depois das 17 horas, os bloqueios estavam vazios. Não era difícil entrar ali.

O vigia Raimundo Marcos Feitosa, 50, também tem um palpite para a baixa incidência nos números da pandemia no município. “A gente se protege, usa a máscara e fica em casa. Até porque, se sair, não tem muito o que fazer na rua”, decreta.

Octogenário e devoto, Raimundo Leite de Oliveira diz que não tem nada a ver com a ausência de jovens, falha de controle ou qualquer outra razão. O que afastou mesmo a Covid de Granjeiro não foi obra humana, mas divina. “Foi uma estrela amarela no céu que impediu essa praga de chegar”, revela, os olhos miúdos de repente arregalados.

Aboletado num banco da praça enfeitada com bandeiras de São João, Raimundo então baixa a máscara e acrescenta: “Isso aqui foi milagre, foi muita reza”.

Parte do grupo de risco, ele torce para que Granjeiro continue com apenas um caso da patologia. E que, no ano que vem, o mês de junho possa voltar a se colorir com as quadrilhas juninas.

Por Henrique Araújo

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