A cera só é produzida durante a estação seca

 

 

O lastreiro espalha as folhas para secar durante 8 a 10 dias O vareiro ou cortador é responsável pela primeira etapa

 

O sol da tarde e o vento forte não abalam a agilidade da turma de 20 trabalhadores que encontramos em um vistoso carnaubal, às margens do Açude Gangorra, em Granja, Município do Litoral Oeste do Ceará a 332 quilômetros de Fortaleza.

 

De agosto a dezembro (aproximadamente) a rotina é a mesma. O vareiro (ou cortador) usa uma vara com uma foice na ponta para cortar a palha, o aparador corta o talo espinhoso, o juntador enfeixa, o cambiteiro desengancha o que ficou, o comboieiro conduz os jumentos carregados e o lastreiro espalha a folha para secar.

 

Depois de uns oito dias, uma máquina, que funciona de forma itinerante, mói a palha, separando o pó da bagana, usada como adubo ou cobertura morta para reter a umidade do solo para a agricultura. Esse é o processo antes de o pó (ou a cera, ainda obtida por alguns agricultores de forma artesanal) chegar à indústria para ser transformada em cera tipo exportação.

 

Quem nos explicou todo esse processo foi Antônio Danilo de Paula, 51, que começou a trabalhar aos 12 anos com carnaúba. Ele já largou esse serviço, mas confessa que sente falta.

 

O aparador João Gomes da Costa, 50, há 35 anos lida com a carnaúba. Ele nos contou que planta milho e feijão no período chuvoso, como faz a maioria dos agricultores familiares do Estado do Ceará e, se não fosse a carnaúba, teria que buscar um bico no segundo semestre, provavelmente como servente de pedreiro, para manter a família.

Exportações

 

O Estado do Ceará exporta, em média, 18 mil toneladas de cera de carnaúba por ano num ciclo semestral. A árvore forma a copa no período chuvoso, mas precisa do estresse hídrico do período seco para produzir a cera. A explicação é do presidente do Sindicato das Indústrias Refinadoras de Cera de Carnaúba (Sindcarnaúba), Edgar Gadelha. Segundo suas informações, são geradas anualmente 200 mil vagas de trabalho entre os estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, no setor.

 

Começando pelo social, o empresário informa que a cadeia produtiva da carnaúba emprega, só no Ceará, 100 mil pessoas diretamente na safra, em média de seis meses, no pior período para o nordestino, que é o de estiagem, já que o período chuvoso vai de fevereiro a maio. “Se ele não tem nenhuma atividade para desenvolver, a carnaúba dá suporte. Por ela ser uma cultura seca, a partir do momento que inicia a quadra chuvosa, praticamente para e a mão de obra migra para a agricultura familiar, de subsistência, usando, inclusive, a bagana, que é a palha triturada, como cobertura vegetal para reter a umidade do solo”, explica.

 

O presidente do Sindcarnaúba destaca que, na época da safra, ela paga a melhor diária no campo em relação a outras culturas. “Isso é reconhecido, inclusive, pelo Ministério Público do Trabalho”, afirma. A matéria-prima sai do campo e vai para a indústria, onde é refinada e exportada. “Hoje o setor (Ceará e Piauí) exporta em torno de 120 milhões de dólares/ano de divisas para os Estados”, completa.

 

“Temos emprego, renda e divisas, mas também sustentabilidade”, ressalta. Segundo suas informações, a cera da carnaúba é exportada há mais de 150 anos, esteve entre os dez produtos mais comercializados fora do País e ainda está entre os mais exportados do Ceará. “É um extrativismo sustentável porque em nenhum momento mata a palmeira. Faz uma poda, a copa se regenera, num ciclo anual. É comprovado que uma palmeira que é podada todo ano tem a longevidade aumentada”, afirma o empresário.

 

Desenvolvimento

 

Ainda segundo Edgar Gadelha, o Sindcarnaúba tem uma parceria de muito tempo com a Associação Caatinga e a contratou para desenvolver o projeto Carnaúba Sustentável, que concluiu o seu primeiro ano no mês passado. “Estamos fazendo um balanço e aprovando a segunda etapa para dar continuidade ao estudo. Temos também a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Cera de Carnaúba, na Adece (Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará), que é um fórum de discussão, incluindo governo, setor produtivo, entidades de fomento, terceiro setor. Neste ano, no Diálogos da Carnaúba, levamos essa discussão ao campo, em Morrinhos, Jaguaruana, Granja e Aracati”, conta.

 

Relações de trabalho

 

“Lei não se discute: cumpre-se. Hoje há uma informalidade muito grande nessas relações. O produtor e o trabalhador vão ter que seguir. Mas há uma grande barreira. O produtor diz que os trabalhadores não querem carteira assinada por temerem perder os benefícios, como a aposentadoria rural e o Bolsa Família. A aposentadoria rural ele não perde por se tratar de um trabalho rural. Já o Bolsa Família, que está atrelado à ausência de renda, ele precisa abrir mão. O problema é que identifica o Bolsa Família como benefício eterno”, afirma Edgar Gadelha.

 

Ele destaca também a importância do uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). “Isso tem custo, dá trabalho, mas não pode ser deixado de lado. Esse custo pode ser pago com o lucro do emprego de novas tecnologias que vão agregar valor à produção”, sugere. Segundo o empresário, no “Diálogos da Carnaúba”, o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem esclarecido sobe isso, assim como em cobrado, fiscalizado, no campo.

 

“Uma preocupação nossa é a divulgação de que a cera de carnaúba é fruto de trabalho análogo ao escravo. Isso é sério porque nenhum produto vai sobreviver com um rótulo desse. Nossa cera tem concorrente, principalmente a sintética, a partir do petróleo, que ficou muito barata nos últimos anos, por ganhar em economia de escala em relação à produção extrativista. Nós já identificamos que existem fornecedores de ceras sintéticas que divulgam isso abertamente na Europa e nos Estados Unidos que a cera de carnaúba é fruto de trabalho escravo. É preciso lembrar, antes de tudo, que essa atividade gera renda em uma das regiões mais carentes do País”, afirma.

 

Mais tecnologia

 

Outro ponto destacado como desafio do setor pelo presidente do Sindcarnaúba é a inclusão de novas tecnologias no extrativismo, que é muito antigo. “Um problema muito sério é a perda. Quando a palha é estendida para secar no solo, temos uma perda de 50% ou mais, pela grande incidência de vento. Nenhum produto sobre vive com ineficiência. Com o secador solar, a rentabilidade é de quase 90%. O produtor acha que vai ter mais trabalho, mais custo, mas, no fim, vai aumentar muito a rentabilidade”, defende.

 

Diário do Nordeste

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