A atuação do fenômeno El Niño contribuiu para que as precipitações no Sul e Centro-Sul do Estado fossem reduzidas. Com isso, os três maiores e mais importantes reservatórios cearenses não acumularam água suficiente
Os três maiores açudes do Ceará permanecem com reduzido volume de água na atual quadra chuvosa. Castanhão (5,4%), Orós (9,0%) e Banabuiú (7,9%) são estratégicos para o abastecimento de dezenas de cidades cearenses e de milhões de moradores.
O problema se torna ainda mais evidente diante da redução das chuvas nos últimos dias. O cenário, no entanto, já era previsto por especialistas. No último fim semana, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) registrou chuva em apenas três municípios. Foi a primeira vez no ano que o Estado teve 24 horas com pluviometria em apenas uma cidade, como ocorrido no último domingo. A partir de hoje, a previsão do órgão é de retorno das precipitações, porém, com menos intensidade das que foram observadas nos três primeiros meses da quadra chuvosa, que se encerra neste mês, cujo volume médio histórico para o período é de 90.6 milímetros, inferior até que a média de janeiro (98.7 mm), mês de pré-estação.
Cenário ruim
Há um ano, o Castanhão – maior reservatório do Estado – estava em situação mais favorável, com 8,6% de seu volume total. O açude Orós também possuía mais água em maio passado (9,7%) e, apenas o Banabuiú estava com situação um pouco pior da registrada atualmente (6,5%). Para segurança hídrica de um período de 12 meses, o açude deve acumular, em média, pelo menos 20% de seu volume, segundo estima a Cogerh. Este índice garantiria que o reservatório suportasse o segundo semestre do ano que historicamente é marcado com chuvas quase nulas.
O número, entretanto, dificilmente será atingido, pois o prognóstico é que não haverá novas recargas nos reservatórios estratégicos em decorrência da diminuição das chuvas nas Bacias Hidrográficas do Alto Jaguaribe, nos Inhamuns, e do Salgado, na região do Cariri. Os 155 açudes monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) acumulavam até ontem (6), 20,8%.
Nessa mesma data, em 2018, o índice era de 17,1%. A diferença se dá pelo aporte conquistado neste ano em pequenos açudes, sobretudo na região Norte.
O meteorologista da Funceme, Raul Fritz, observa que mais uma vez as chuvas não foram suficientes nas Bacias Hidrográficas do Jaguaribe e do Salgado para que ocorresse melhor recarga nos reservatórios estratégicos. “Infelizmente, as recargas foram reduzidas nos maiores açudes, e na Bacia do Salgado não foram suficientes para permitir um melhor aumento do volume do Castanhão”, ponderou Fritz. “O Cariri, neste ano, foi pior do que no ano passado”, acrescentou o especialista.
Na macrorregião do Cariri, onde está situada a Bacia do Salgado, de janeiro a abril deste ano choveu 657,9 milímetros, ou seja 6,1% abaixo da média histórica (700,3 milímetros). Já em 2018, as precipitações foram 6,3% acima da médica histórica, registrando 744,2 milímetros. Em Caririaçu, a situação está ainda mais delicada. O volume de chuva observado nos quatro primeiros meses do ano – os mais chuvosos no sul do Estado – foi de 568.4 milímetros. Um pouco acima da metade do acúmulo normal anual, que é de 1037.2 milímetros, aponta a Funceme. Isso prejudicou a recarga dos dois reservatórios que abastecem a cidade.
O Manoel Balbino, popular Açude dos Carneiros, está com 7,96% de sua capacidade. Ano passado, em igual período, ele apresentava 8,71%. Já o São Domingos II, que “salvou” a população de um colapso hídrico, atingindo 50,22% nos quatro primeiros meses de 2018, agora, está com apenas 23,66%.
Segundo Cícero Soares, diretor administrativo do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto de Caririaçu (Samae), apesar dos diminutos volumes, os dois reservatórios conseguirão, “com algumas intervenções” garantir o abastecimento do Município até o próximo ano. A cidade, que possui cerca de 27 mil habitantes, convive com racionamento desde 2013. “A gente começou paralisando o abastecimento a cada três dias. Passamos para cinco e hoje são oito dias”, descreve. A água fica na torneira por apenas três dias, tempo para os moradores armazenarem em caixas-d’água e tambores.
Por enquanto, a captação do Manoel Balbino está paralisada, pois a adutora emergencial, instalada pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), está sendo reformada. No ano passado, a tubulação que percorre paralelamente a CE-060 com subidas e curvas, apresentava vazamentos em boa parte de sua extensão, desperdiçando um alto volume de água. Como a chuva foi melhor em 2018, o São Domingos II garantiu o abastecimento da cidade.
Situação de emergência
Por conta das chuvas irregulares, Caririaçu foi um dos 26 municípios cearenses reconhecidos em situação de emergência no fim do mês passado. “A colheita até que não foi problema. Ruim foi acumular água para o consumo”, explica Cícero. Muitas cisternas na zona rural não conseguiram ficar cheias e, nos próximos meses, a população dos sítios deve ser abastecida por caminhões-pipa.
Com a proximidade do fim da quadra chuvosa, os sertanejos já voltam os olhos para o próximo ano. “É torcer pra que em 2020 seja melhor”, completa. Atualmente, 73 açudes cearenses ainda estão com volume abaixo dos 30%. Seis estão secos e 18 no volume morto.
Previsão
A Funceme prevê retorno das precipitações a partir de hoje em todas as regiões do Estado por causa da reaproximação da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), principal sistema que traz chuvas nesta época do ano. “Não podemos prever se será um retorno demorado e mais intenso. Neste ano, as chuvas ficaram bem dentro da previsão da Funceme, que apontou tendência de chuvas mais intensas na região Norte e abaixo da média no Centro-Sul cearense”, explica Fritz.
Na atual quadra chuvosa, ocorreu o fenômeno El Niño (aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical) que, embora tenha atuado de forma tímida, contribuiu para a diminuição das chuvas no Ceará. “As condições meteorológicas do Oceano Atlântico Tropical Sul eram bem favoráveis”, lamenta Fritz. “Não tivemos grandes aglomerados conectivos de nuvens de chuva, por isso houve muita irregularidade espacial e temporal”, conclui.
Diário do Nordeste