Uma das principais pesquisas estatísticas do País, o Censo Demográfico 2020 pode ficar mais enxuto para não ser inviabilizado. O custo total do levantamento foi calculado em R$ 3,4 bilhões pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas o governo não tem como bancar esse valor. “Está fora de cogitação”, disse uma fonte da equipe econômica.
Para seguir com os preparativos do censo, que vai coletar dados na casa de todos os brasileiros, o IBGE precisaria de R$ 1 bilhão já em 2019. Mas só deve receber entre R$ 200 milhões e R$ 250 milhões no ano que vem, apurou o Estadão/Broadcast.
A dificuldade para garantir a verba de 2019 torna ainda mais remota a possibilidade de obter os R$ 2,4 bilhões restantes em 2020. A avaliação da equipe econômica é que o IBGE vai ter de “racionalizar” o levantamento, o que pode se traduzir em um número menor de entrevistadores e questionários mais enxutos. O instituto já havia indicado em outras ocasiões que é difícil levar a pesquisa a campo com o orçamento reduzido.
O Orçamento de 2018 já destinava uma verba de R$ 7,5 milhões para dar partida na organização do censo. As reuniões do grupo de trabalho vêm sendo feitas normalmente, e os servidores ainda não teriam sido informados sobre a necessidade de remodelação da metodologia, segundo uma fonte do instituto.
Para o ano que vem, a dificuldade tem sido maior porque o IBGE precisa de mais dinheiro no momento em que o Orçamento do governo estará ainda mais apertado. A equipe econômica terá cerca de R$ 90 bilhões para bancar todas as despesas de funcionamento dos órgãos e os investimentos. Neste ano, esse montante deve ficar em R$ 125 bilhões e já há risco de apagão da máquina pública.
Na avaliação da equipe econômica, fazer uma pesquisa mais enxuta seria a alternativa para evitar que o censo seja inviabilizado. A estratégia já foi usada no Censo Agropecuário 2017, que precisou ser adaptado para que fosse possível levar a pesquisa a campo com menos recursos.
Quando anunciou o início dos trabalhos do censo demográfico, em junho, o presidente do IBGE, Roberto Olinto, refutou a possibilidade de a pesquisa ser reduzida caso a verba necessária não fosse aprovada. “No censo agropecuário eram 26 mil pessoas (na coleta de dados). O Demográfico tem 300 mil (funcionários temporários na coleta). Então não tem muito como enxugar”, declarou Olinto na ocasião. “O censo demográfico tem um período de coleta menor, porque tem uma data de referência muito forte. É preciso coletar muita informação num período muito curto. A flexibilidade orçamentária é muito menor.”
O IBGE diz não ter um posicionamento oficial do governo sobre o tema e que só se manifestará quando isso ocorrer.
Políticas públicas. O Censo Demográfico é a pesquisa mais detalhada sobre a realidade de cada pedaço do Brasil e é considerada imprescindível para a definição de políticas públicas. Os dados coletados ajudam, por exemplo, a apontar locais prioritários para investimentos em saneamento básico e a atualizar referências de outras pesquisas que medem o desemprego ou o nível de pobreza do País. Também é essencial para definir a partilha de recursos federais para Estados e municípios.
“A informação do Censo é crucial porque os dados da população brasileira são atualizados a cada dez anos. Hoje, o que a gente acha da população é com base em estimativa do Censo de 2010. Quanto mais se afasta da base do Censo, mais impreciso fica”, afirma o sociólogo Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE. Ele diz, no entanto, que só o próprio instituto terá condições de avaliar se é possível fazer uma pesquisa mais enxuta diante da falta de recursos já indicada pelo governo.
O Censo visita a casa de todos os brasileiros para traçar uma radiografia da situação de vida da população nos municípios e seus recortes internos, como distritos, bairros e outras realidades. Esse nível de minúcia não é alcançado em outras pesquisas do IBGE feitas por amostragem, que entrevistam apenas parcela da população.
A edição de 2020 é ainda mais relevante porque a Contagem Populacional (que é uma espécie de pesquisa intermediária entre os censos) prevista para 2015 não foi feita por falta de dinheiro. Ou seja, os dados disponíveis estão com uma defasagem maior que a habitual. “Isso afeta distribuição de recursos, políticas de redução da pobreza. O País fica sem informação para fazer políticas públicas”, afirma Schwartzman.
O sociólogo explica que a formulação do Bolsa Família, por exemplo, é baseada em informações sobre as famílias que estão em situação de pobreza, levantadas a partir de pesquisas como a Pnad, que traz dados sobre emprego e renda no País. A definição da amostra populacional que será ouvida na Pnad para fazer o retrato mais fiel possível do País é guiada pelos dados disponíveis sobre o total da população – ou seja, pelo Censo. “Sem isso, a base fica cada vez mais irrealista”, diz Schwartzman.
No caso de divisão de recursos federais, há casos de municípios que recorreram à Justiça para tentar ampliar os valores recebidos da União para políticas na área de saúde, por exemplo. A justificativa é que os dados do IBGE, que só tem conseguido fazer projeções da população, já não demonstram o real crescimento do número de pessoas vivendo em determinadas cidades. A pesquisa também é importante para que empresas possam tomar suas decisões de investimento, afirma o ex-presidente do IBGE.
Histórico. Em 1991, no governo de Fernando Collor de Mello, o Censo foi adiado para o ano seguinte por causa da demora na contratação dos entrevistadores. Mais recentemente, o IBGE precisou restringir o alcance do Censo Agropecuário 2017 por causa da falta de recursos. O levantamento, que foi a campo no ano passado e começou a ter os dados divulgados nos últimos meses, previa um orçamento de R$ 1,6 bilhão, com a contratação de 80 mil profissionais. O formato precisou ser revisto para caber em um terço da verba necessária (R$ 550 milhões), com apenas 29 mil funcionários temporários.
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE) alerta que a realização do Censo Demográfico estaria ameaçada mesmo que o orçamento total de R$ 3,4 bilhões fosse liberado. Segundo eles, o órgão não tem a quantidade de servidores necessária para conduzir as etapas de planejamento, análise, revisão e acompanhamento da coleta de dados feita pelos temporários.
A direção do IBGE chegou a enviar ao Ministério do Planejamento um pedido de concurso público para preenchimento de 1,8 mil posições que foram perdidas nos últimos anos com a aposentadoria de servidores. <IP9,0,0>“Até agora não houve resposta do governo”, diz Dione de Oliveira, dirigente da ASSIGBE.
informações O Estado de S. Paulo