MEC institui critérios para definir se crianças estão ou não alfabetizadas; o que muda nas escolas?

Estabelecer critérios que possam definir se uma criança está ou não alfabetizada, considerando a realidade dos 5,5 mil municípios brasileiros. Essa foi a tarefa que o Ministério da Educação (MEC) se propôs no início da nova gestão e, na semana passada, apresentou o resultado: traçou parâmetros, estruturados em uma escala de pontuação, que delimitam exatamente o que crianças com 7 anos de idade precisam atender no Brasil para serem consideradas alfabetizadas. Até então, o país não tinha esse tipo de referência.

Agora, novos critérios foram traçados para delimitar se os estudantes desta etapa estão ou não alfabetizados. Esse referencial é proveniente da pesquisa “Alfabetiza Brasil”, realizada pelo MEC e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) com 251 professoras alfabetizadoras em 206 municípios das cinco regiões brasileiras e com especialistas, entre abril e maio de 2023.

Dentre as habilidades necessárias para serem considerados alfabetizados, o MEC estabeleceu que os estudantes precisam: 

Ler pequenos textos, formados por períodos curtos e localizar informações na superfície textual;

Produzir inferências básicas com base na articulação entre texto verbal e não verbal, como em tirinhas e histórias em quadrinhos;

Escrever, ainda que com desvios ortográficos, textos que circulam na vida cotidiana para fins de uma comunicação simples como: convidar ou lembrar algo, por exemplo. 

Com isso, a partir de características que definem as habilidades básicas de leitura e de escrita, o MEC criou um critério oficial para todos os estados brasileiros sobre o que uma criança de 7 anos precisa saber para ser considerado alfabetizada. 

No Ceará, segundo o Censo Escolar da Educação Básica de 2022, 466 mil estudantes estavam matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental – que vai do 1º ao 4º ano. 

PAÍS NÃO TEM UM PARÂMETRO 

No Brasil, o monitoramento realizado com estudantes do 2º ano do ensino fundamental, a exemplo do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb) – avaliação feita a cada 2 anos no 2º, 5º e 9º anos do ensino fundamental e na 3ª série do ensino médio – não delimita exatamente o que é um estudante alfabetizado. 

Agora, com as referências estabelecidas, se considerada a escala Saeb, a pontuação que define uma criança alfabetizada é: 743 pontos. Se essa pontuação estivesse vigente há dois anos, 56,4% das crianças, conforme cálculo do Inep, não estariam alfabetizadas no Brasil. 

A ideia do Governo Federal é que seja realizado, no fim de 2023, um exame para medir a alfabetização dos alunos do 2º ano com os novos parâmetros. 

O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, avalia que os critérios levantados pelo Inep, a partir da pesquisa, “representam a visão e a expectativa do professor a respeito do que é a alfabetização. É um passo importante para que, na prática, seja compreendido o que está sendo considerado um aluno alfabetizado”. 

Mas, ele destaca que a Undime considera importante ter novas fases “confrontando esses resultados com aquilo que se espera a partir, por exemplo, da Base Nacional Comum Curricular”, completa. O objetivo da sugestão de acréscimo é “impedir que se tenha uma discussão cujos critérios possam ser rasos”. 

Esse parâmetro marca a expectativa do professor, ou seja, aquilo que os professores pesquisados consideram um aluno alfabetizado. É importante que nós façamos o confronto disso com outros pontos de vista, além desse pesquisado. Por isso, é relevante ouvir outros agentes, como a academia, especialistas em currículos. Para que possamos compreender outras perspectivas e aí chegar a um ponto de equilíbrio”.

LUIZ MIGUEL MARTINS GARCIA

Presidente da Undime

Já o diretor-fundador do Instituto de Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), Ernesto Martins Faria, explica que não há uma definição mundial consensual do que é alfabetização, nem mesmo sobre qual a faixa etária em que a criança está alfabetizada. 

“Temos tendências, e até mesmo nas avaliações são seguidas os chamados preditores de alfabetização. Temos várias avaliações da educação infantil, no 1º ano do ensino fundamental, olhando para características e habilidades importantes para os alunos dominarem, para terem um bom desenvolvimento infantil. Mas é muito difícil”. 

ERNESTO MARTINS FARIA

O QUE ISSO MUDA NAS ESCOLAS?

O representante da Undime, Luiz Miguel Martins Garcia, também ressalta que, na prática, a criação de um marco de referência “permite às salas de aulas, às escolas, observarem se elas estão naquele parâmetro ou não. Permite criar políticas públicas construindo metas, para saber aquilo que falta para se chegar a esse estágio”. r-fundador do Iede

De acordo com ele, os dados podem e devem ser um marco inicial, e o ideal é que eles “sejam tratados em um Grupo de Trabalho com uma diversidade técnica maior.” 

O diretor-fundador do Iede, Ernesto Martins Faria, indica que a definição do MEC implica em uma base de acompanhamento importante para garantir as oportunidades educacionais.

De acordo com ele, o MEC, em geral, no decorrer histórico “evitava fazer essas definições do que é um bom nível de aprendizagem, do que é aprendizagem adequada, seja na prova do 2º ano, na prova do 5º, na prova do 9º”, pois “não é tão fácil chegar nesse consenso, mas é importante sim essa sinalização”. 

Ele reforça que a consulta feita a professoras e especialistas na pesquisa Alfabetiza Brasil é relevante, mas pondera que o MEC precisa “dar mais informações sobre os resultados e como eles chegaram à pontuação do que aprendizado adequado, do que alfabetização”. 

Outro ponto questionável, diz ele, é a não inserção da matemática nesse processo. “Não dá para você pensar no desenvolvimento das crianças nesse início da escolarização, da pré-escola do ensino fundamental, sem pensar no raciocínio matemático, na alfabetização matemática e não dá para tirar de contexto a qualidade das avaliações”, argumenta. 

Diário do Nordeste

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