Diário do Nordeste fez um levantamento do volume de recursos e do que foi efetivamente entregue pelo prefeito desde 2021
Ao longo dos últimos quatro anos no comando da Prefeitura de Fortaleza, a gestão do prefeito José Sarto (PDT) conseguiu autorização para a contratação de oito empréstimos com entes públicos e privados dentro e fora do país. Deste quantitativo, que totaliza aproximadamente R$ 2,8 bilhões, quatro foram efetivamente contratados até agora e apenas um — o primeiro deles — foi concluído.
A primeira operação de crédito, como é formalmente chamada a modalidade de financiamento, foi contratada com a Caixa Econômica Federal (CEF) em dezembro de 2021. O montante foi de R$ 100 milhões, requisitado para a urbanização de áreas, para a construção de equipamentos e outras obras estruturantes. Na lei que autorizou a contratação são mencionadas 16 entregas.
O Município também conseguiu aprovar e está em execução um contrato com o Banco do Brasil, assinado em junho de 2023, na casa dos R$ 600 milhões. No pedido que endereçou para a Câmara Municipal liberar a contratação, Sarto alegou uma queda na arrecadação e pontuou que os recursos obtidos iriam garantir a “execução de programas comprometidos com a sociedade e manutenção da sua qualidade de vida, com entrega dos benefícios para a população de Fortaleza, por meio do cumprimento de programas”.
A mesma justificativa de destinação dos valores foi utilizada para o envio de outros dois projetos de lei para a Casa Legislativa naquele mesmo período. Ambos em execução, contabilizam R$ 250 milhões e R$ 400 milhões, respectivamente. O primeiro deles foi celebrado com a CEF, já o segundo foi com duas instituições financeiras privadas, os bancos Itaú e Santander.
O que já foi entregue
Ao PontoPoder, a assessoria de comunicação do Gabinete do Prefeito informou o que já foi realizado até agora com o dinheiro adquirido por meio dos empréstimos. “Na saúde, foram construídos os novos hospitais Gonzaguinha de Messejana e Frotinha de Messejana, além da reforma de postos de saúde. Em infraestrutura e mobilidade, estão incluídas as obras do Vila do Mar, urbanização do Caça e Pesca, calçadão da Praia de Iracema e o reservatório da Avenida Heráclito Graça, em andamento”, relacionou.
E continuou: “Os recursos também garantiram a construção do Terminal de Ônibus José de Alencar, do Ginásio da Parangaba, do Estádio do Bom Jardim, de novas praças, areninhas e áreas de lazer, além do Cuca do Vicente Pinzon, que segue em obras. Cita-se, ainda, a ampliação da Clínica Veterinária Jacó, do Complexo Educacional Alto da Paz, da nova sede da Guarda Municipal e do Meu Bairro Empreendedor do Parque Santana, entre outras obras”.
Em 2024, o planejamento orçamentário do Município contou com uma projeção de R$ 919,1 milhões em receitas vindas de operações de crédito — os recursos totais previstos para exercício financeiro foram na casa dos R$ 12 bilhões. A estimativa para o ano que vem, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025 que tramita na CMFor, é de aproximadamente R$ 954,1 milhões, num orçamento que projeta ter como receita um montante de R$ 13,6 bilhões.
Pelo que mostra a organização financeira de Fortaleza no exercício atual e no próximo, o impacto dos empréstimos têm sido determinantes para investimentos feitos pela administração municipal. A consideração é admitida pela gestão, que explicou a relevância das quantias. “As ações visam ainda manter o forte desenvolvimento de Fortaleza, que se destaca como maior PIB e maior geradora de empregos do Nordeste”, explicou o Executivo por meio de nota.
Contratações pendentes
Para chegar ao universo de R$ 2,8 bilhões, o prefeito eleito de Fortaleza, Evandro Leitão (PT) terá que dar andamento para as quatro operações de crédito restantes. A maior quantia autorizada é de US$ 150 milhões — algo em torno de R$ 770,2 milhões, conforme a cotação da época em que o pedido foi enviado para CMFor —, para contratação com a Corporação Andina de Fomento (CAF) e que possibilitará a execução de programas de urbanização de mobilidade — serviços de drenagem, pavimentação, passeios, ciclovias, infraestrutura viária, arborização e urbanização de áreas vulneráveis estão inclusos no rol de intervenções dessa política.
O segundo maior montante que está pendente, que deverá vir do Banco do Brasil, é de R$ 425 milhões. Um projeto de lei foi autorizado pela Câmara Municipal em abril deste ano — sob protestos da oposição — e sancionado pelo atual mandatário em seguida. No conteúdo da proposta remetida ao parlamento foi citado que o intuito da iniciativa seria a realização de investimentos em infraestrutura.
Além dele, duas operações junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também contam com o aval positivo dos vereadores de Fortaleza e poderão ser tocadas pelo futuro Governo Evandro. Uma, autorizada pelo Legislativo em setembro de 2023, prevê a contratação de R$ 50 milhões para serem investidos na aquisição de ônibus elétricos e equipamentos de recarga. A outra, de R$ 70 milhões, autorizada em dezembro, poderá destinar recursos para a aceleração digital do Município, com melhorias nos programas digitais já promovidos, segundo alegou a prefeitura.
As contratações pendentes foram tema da primeira reunião de transição em que Sarto e Leitão estiveram juntos, promovida no Paço Municipal no último dia 12 de novembro. Durante coletiva de imprensa, após o rápido encontro, o pedetista afirmou que levou o assunto para a mesa. “E a gente está fazendo todo o diagnóstico. Fortaleza é hoje a maior economia do Nordeste, a quarta capital em população. Então, ela é uma máquina que ajuda a construir a vida de 2 milhões e meio de habitantes”, ressaltou ele, perante os jornalistas.
Débitos pendentes
Não apenas a contratação destas estão pendentes para o mandato que assumirá em 1º de janeiro, o pagamento da conta de algumas das que já foram contratadas também ficará para ele, conforme apontam especialistas no assunto, uma vez que esse tipo de financiamento tem um prazo para começar a ser pago.
O próprio Sarto assumiu valores de operações contratadas em gestões anteriores. Doze compromissos financeiros assumidos por meio de empréstimos pelos dois últimos gestores municipais que o antecederam no cargo aparecem na lista de dívidas fundadas do Balanço Geral da Prefeitura de Fortaleza em 2023 — o último relatório anual consolidado emitido pela administração.
Estão nessa listagem de débitos montantes como os R$ 200 milhões contratados em 2019 junto ao Santander para investimentos em infraestrutura durante a gestão do ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT) ou os R$ 141,7 milhões contratados com a CEF, em 2012, pela ex-prefeita Luizianne Lins (PT) para execução do Eixo Via Expressa/Raul Barbosa, que fez parte do pacote para a Copa do Mundo 2014.
Mesmo solicitada pela reportagem, a equipe de comunicação do atual prefeito não informou em quais termos se deram os empréstimos já celebrados ou quais as condições de pagamento, nem mesmo disponibilizou os contratos celebrados pelo mandatário na íntegra. O PontoPoder também não conseguiu acessar as informações no Portal da Transparência administrado pela gestão municipal.
Especialista alerta
Consultado, o professor Manuel Salgueiro, que coordena o Observatório de Finanças e Orçamento Público (OBFIO), ligado à Universidade Estadual do Ceará (Uece), explicou que contratos como os formalizados pela Prefeitura de Fortaleza são executados “a longo prazo”.
“O recurso vai sendo recebido paulatinamente, ao longo do tempo em que objeto do contrato financiado vai sendo executado. E depois de algum tempo é que se iniciam os pagamentos. Geralmente têm uma carência de pelo menos uns cinco anos, senão mais que isso”, salientou o pesquisador.
Salgueiro frisou que a ação de governos em recorrer a essa modalidade de crédito, seja ele vindo de um interno ou externo, “é algo relativamente comum”. “É algo natural, até previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Há uma previsão para isso devido ao engessamento que o orçamento público naturalmente possui, então é necessário obter esses créditos extras, digamos assim, para que sejam realizados alguns investimentos”, adicionou.
Segundo o especialista, o alerta fica aceso em uma condição, quando o volume de dívidas do Poder Público aumenta de maneira expressiva. “O que preocupa é quando há uma elevação exacerbada desse montante”, indicou, apontando que o caso de Fortaleza, apesar de estar dentro do limite legalmente permitido, chama a atenção.
“A gente percebe que ao longo dos últimos anos isso vem crescendo, atingindo patamares que, pelo menos no último quadrimestre, a gente vê que está num patamar bem elevado”, complementou o docente da Uece, afirmando que o nível destoa da série histórica.
Munido de um gráfico, construído com dados publicizados pelo Município, o professor demonstrou à reportagem o nível de endividamento os últimos quadrimestres dos últimos cinco anos.
Para chegar aos percentuais apresentados, foram considerados para o cálculo a Dívida Consolidada Líquida (DCL) com a Receita Corrente Líquida (RCL) — os parâmetros são os mesmos usados pela Lei de Responsabilidade Fiscal para legislar sobre as contas públicas.
Se em 2019 o Município fechou com um percentual de 7,36% de endividamento, em 2020 essa taxa foi para 24,57%. O gráfico continuou subindo e ficou em 27,41% no final de 2021, em 26,99% no fim do ano de 2022 e em 24,71% no último quadrimestre de 2023. Em 2024, apesar de não ter acabado, o índice de endividamento foi de 27,86%.
“O limite desse percentual é 120%, então você vê que ainda está folgado. Porém, não podemos nos basear muito por esse limitador porque ele é para um cenário de vários municípios brasileiros, e a gente sabe que as finanças públicas de um município como São Paulo são completamente diferentes de um como Fortaleza”, sustentou.
“A gente tem que ver muito pela evolução histórica”, sugeriu, reforçando uma preocupação com o endividamento da Prefeitura de Fortaleza, pelo risco de que contextos de crise atinjam o setor público e devido ao comprometimento não se tenha “de onde tirar reserva”.
DN