Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste apontam que presidente eleito deve retardar a discussão sobre o tema e pode pensar alternativas para evitar desgaste político com Câmara e Senado
Alvo de críticas durante a campanha eleitoral, o orçamento secreto, como ficaram popularmente conhecidas as emendas de relator na legislação orçamentária, é agora assunto pouco citado pela equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com foco em modificar o Orçamento para 2023 para conseguir efetivar compromissos de campanha, como a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 e o aumento real do salário mínimo, o assunto sumiu, pelo menos temporariamente, do radar dos aliados petistas para evitar o desgaste político com o Congresso Nacional.
Os deputados federais e senadores serão fundamentais para aprovar qualquer modificação no orçamento para o primeiro ano de Governo Lula, além de serem os principais beneficiados pelas emendas de relator.
Além disso, o recuo também sinaliza uma espera pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) de ação ajuizada pelo Psol na qual a legalidade do orçamento secreto é questionada. A perspectiva é que o processo seja julgado ainda em 2022.
Este compasso de espera para tratar do Orçamento secreto deve predominar não só na transição como nos primeiros meses do Governo Lula, apontam cientistas políticos ouvidos pelo Diário do Nordeste.
A prioridade devem ser as aprovações de proposições prioritárias para o Governo e a formação de uma base governista sólida. Contudo, o mecanismo não deve ser ignorado por Lula por tanto tempo, embora a extinção do Orçamento Secreto não deve ser a única alternativa disponível para solucionar o impasse.
O aumento da transparência das emendas de relator pode ser um dos meios para diminuir os riscos trazidos pelo orçamento secreto. Hoje, é difícil rastrear quais parlamentares indicaram a destinação de recursos e a própria execução dos valores. Além disso, seria necessário regulamentar as emendas para diminuir a desigualdade na distribuição entre parlamentares.
A diminuição gradual dos recursos voltadas para as emendas de relator que no Orçamento de 2023 são de cerca de R$ 19 bilhões também é apontada como uma possibilidade de medida a ser implementada.
“Mas não é um problema só para esse Governo de agora”, destaca a economista e doutoranda em Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UNB), Bárbara Maia. Isto porque este é um mecanismo que cria uma “disputa pelos recursos públicos” e acaba por se transformar em “ponto de tensão entre Poderes”.
E QUAIS OS PRINCIPAIS PONTOS A SEREM RESOLVIDOS?
O principal problema das emendas de relator, formalmente indicadas como RP-9, são a falta de transparência na indicação e execução dos recursos. Como quem indica, oficialmente, as emendas é o relator do orçamento, não há transparência sobre quem foram os parlamentares que solicitaram a destinação daquela verba.
Os critérios para essa distribuição também não são transparentes e ficam dependentes da negociação política, o que favorece parlamentares da base governista. Funcionando como uma “moeda de troca”, conforme ressalta Maia.
Ela lembra que, apesar do Supremo já ter determinado o detalhamento das emendas de relator, a publicização feita foi pouca efetiva e possui “inconsistências de informações”.
Um problema que não deve ser possível de solucionar retroativamente, mas que pode ser resolvido pelo futuro governo, o que poderia ser uma alternativa à extinção destas emendas. “Tendo essa transparência nos gastos, pode solucionar sem se colocar como contrário ao Parlamento”, aponta Maia.
Para o cientista político Aryell Calmon, o governo eleito precisará “propor alterações para incluir no orçamento formas mais transparentes a distribuição desses recursos”.
Essa regulamentação teria que incluir não apenas as emendas de relator como as impositivas, como forma de resolver também outro grave problema trazido pelo orçamento secreto: a falta de planejamento para aplicação dos recursos.
“(Porque) Tira do Poder Executivo esse controle da distribuição de emendas”, ressalta Calmon. O cientista político pondera, no entanto, que a distribuição por parlamentar e pelas bancadas de Estado, chamadas de emendas individuais e por bancada, são importantes para aplicação como “forma de aplicar recursos em projetos direcionados”.
“(Mas) O Executivo precisa alinhar os recursos com o projeto aprovado nas urnas. quando adota o orçamento secreto, não há equidade para os municípios, tanto de valor como destinação. Então isso amplia a desigualdade”.
ARYELL CALMON
Cientista político
ALTERNATIVAS PARA IMPASSE SOBRE ORÇAMENTO SECRETO
O fim do orçamento secreto é defendido por uma parcela dos aliados do presidente eleito Lula como prioritário no novo governo. Contudo, essa é uma medida que não deve ser adotada no primeiro ano de mandato, considera a professora da Universidade de Fortaleza (Unifor) e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mariana Dionísio.
“Tirar de uma vez só é perigoso para o capital político do presidente Lula”, argumenta. Para ela, é uma estratégia acertada nesse momento de transição tentar evitar falar sobre o assunto, principalmente pelo número de deputados federais e senadores eleitos para a próxima legislatura que integravam a base de apoio de Bolsonaro.
“É uma estratégia acertada principalmente porque, se a ideia é tentar reduzir a antipatia, reduzir a resistência dos partidos da coalizão do Bolsonaro, é importante que ele siga com calma”, afirma. Neste caso, seria preciso ir diminuindo “gradativamente” esses recursos destinados ao Orçamento secreto.
Bárbara Maia considera que ir “drenando” a verba das emendas de relator é uma possibilidade, mas existem “outras alternativas postas”. Ela lembra, por exemplo, que as emendas de relator não são impositivas, ou seja, a execução não é obrigatória, ficando a cargo do governo federal fazer essas definições.
“Podem pensar em como fazer que esse orçamento secreto tenha mais controle para o governo federal, direcionando esses gastos para áreas prioritárias para o governo”, exemplifica.
Qualquer que seja o caminho escolhido pelo novo governo, um dos pontos fundamentais será o diálogo principalmente com os chefes do Poder Legislativo, ou seja, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.
Lula, inclusive, já esteve tanto com Arthur Lira (PP-AL), da Câmara, como Rodrigo Pacheco (PSD-MG), do Senado. A tendência é que ambos sejam reconduzidos às respectivas presidências. O presidente eleito chegou inclusive a sinalizar que não irá indicar nenhum candidato para a presidência da Câmara.
“O presidente da Câmara vai ser fundamental para a construção desse diálogo. E espera-se que se construa um novo relacionamento (com o Congresso). Com isso, o orçamento secreto pode ser substituído por uma outra forma de negociação, seja por emendas ou não”, ressalta Calmon.
DN