Em tom monocórdio, Tasso Jereissati, 67 anos, traça um painel desanimador do atual cenário político. O senador descrê de que a presidente Dilma Rousseff (PT) será impedida, seja em votação no Congresso, seja em processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Por outro lado, o tucano desacredita que a petista conseguirá recompor sua base de apoio parlamentar e sobreviver até 2018. Tasso desconfia ainda de que recuperação da economia, hoje corroída por quadro recessivo, tampouco será alcançada até o fim do mandato de Dilma, daqui a três anos.
E, finalmente, está convencido de que o “gesto de nobreza” sugerido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – o da renúncia – não está nos planos da mandatária do País. Em entrevista ao O POVO, o empresário e ex-governador do Estado do Ceará assegura que há cinco desfechos possíveis para a crise – todos improváveis.
O POVO – O senhor chegou ao senado pela primeira vez na mesma época em que o PT chegava ao poder. E voltou ao Senado agora neste segundo mandato da Dilma. O que mudou nesse ambiente político de Brasília e na expectativa em relação ao PT?
Tasso Jereissati – Mudou tudo. Quando cheguei no Senado, o Lula assumindo a Presidência da República, havia uma expectativa extremamente otimista em relação ao PT e ao Lula, principalmente. Havia o grande respeito, inclusive da oposição. Eu mesmo fiz um discurso saudando ao presidente Lula, dizendo que aquele momento era importante para o Brasil. Afinal de contas, era uma solidificação de uma democracia. Um presidente que era um sindicalista, um operário do chão de fábrica, de um partido de esquerda, que tomava posse eleito democraticamente sem que nenhuma vidraça tivesse sido quebrada. Então, isso era bom pro Brasil. Ao mesmo tempo, tinha uma inflexão positiva da política econômica quando, na época, o Palocci (ex-ministro da Fazenda) acenava com sua equipe para uma continuação, só que num âmbito diferente, da política que o governo Fernando Henrique tinha implantado. Era positivo porque você sinalizava que não ia quebrar um processo que vinha dando certo, ao qual seria dado continuidade, só que com nuances diferentes. E havia o respeito do mundo inteiro e da população brasileira pelo Lula. Esse era o clima, até de uma certa euforia. E, na oposição, havia uma disposição, frente ao cenário que nós respeitávamos, de colaborar naquilo que fosse “colaborável” para que o Brasil fosse adiante. Hoje é exatamente o oposto de tudo isso. Um PT desmoralizado, sem credibilidade, sem o respeito nem nosso, da oposição, nem da população, nem do mundo. O Brasil desmoralizado.
A economia em frangalhos, numa das piores situações que eu já vivi na minha vida. E, o pior, sem perspectiva. Sem luz no fim do túnel. Desde problemas na economia até a Lava Jato, uma degradação de valores. Até problemas sociais, como nós estamos vivendo aqui. Problemas gravíssimos, como esse do zika vírus e da microcefalia. Parece até que nós estamos voltando, em determinados pontos, à Idade Média.
OP – Quando o PT é eleito, em 2002, cria-se uma espécie de bordão, que acabou se consolidando depois, que foi se referir aos oito anos da gestão FHC como uma “herança maldita”. Essa crise, que vem se tornando mais grave a cada dia, reabilita esse período de governo?
Tasso – Eu não falaria de reabilitação. Eu acho que esse foi um dos grandes erros. O PT não soube ser poder em aspecto nenhum. Quando a gente ganha eleição, e principalmente num país como Brasil, a gente busca unir. Você ganha eleito por uma parte da população, mas vai governar com o país inteiro. E você tem que ter essa perspectiva: quando mais houver soma, quanto mais houver união, quanto menos houver desagregação, mais importante para construir algo sólido e que traga benefícios de longo prazo. O PT não soube assumir o poder porque, quando teve a oportunidade, a primeira coisa que fez foi tentar, o máximo possível, espezinhar e acusar os derrotados; dividir o Brasil entre nós e eles: nós, partidos que ganhamos, contra eles. Depois, eles, da elite, contra nós, do povo. Criou um Brasil muito dividido. Não apenas dividido, mas com um sentimento de rancor muito profundo, que a gente sente hoje espalhado pela população. Foi um erro fundamental de visão filosófica de governo e de poder que o PT teve. A preocupação em ser chamado de “herança maldita”… Não é o fato de ter acontecido o que aconteceu com o governo atual que iria dar o devido valor (ao governo FHC). A história sempre faz, um pouco mais tarde ou um pouco mais cedo, mas a história faz justiça aos governos.
OP – O PSDB, em alguns momentos, não deixou de defender alguns legados do governo FHC?
Tasso – Você tem razão. O nível de popularidade do Lula era tão grande, que era difícil. O PT, usando dessa popularidade do governo, demonizou algumas palavras, como privatização, liberal e neoliberal. O PT criou esse tipo de demonização, que ficou imune a qualquer debate, a qualquer discussão mais racional. Isso, de uma certa maneira equivocada, intimidou o PSDB durante algumas campanhas eleitorais.
OP – Hoje o PSDB vive uma situação inversa, com uma presidente de popularidade rasteira. Como o senhor avalia a postura do partido, principalmente na Câmara, como no caso do apoio a Eduardo Cunha (PMDB-RJ)?
Tasso – É importante lembrar o seguinte: o partido não votou no Eduardo Cunha para presidente da Câmara. O candidato do PSDB foi derrotado (Júlio Delgado, deputado do PSB). Em algumas votações, a meu ver, equivocadamente, (o PSDB) votou errado. Não necessariamente porque estava unido ao Eduardo Cunha, mas porque estava achando que aquilo era fazer oposição. Ser contra o governo era fazer oposição. Em determinadas situações, nem sempre isso é verdade. Houve uma união com Eduardo Cunha em determinadas votações pelas circunstâncias, e algumas delas equivocadas.
OP – O senhor acredita que vai haver impeachment e que deve haver impeachment?
Tasso – Essa é uma resposta muito difícil. Outro dia ouvi uma definição de alguém que disse o seguinte: nós temos cinco hipóteses do que vai acontecer – todas elas improváveis. É o que nós estamos vivendo. Acho que nós vamos ter um 2016 dificílimo, do ponto de vista da economia. Não sei até que ponto vai essa dificuldade. Provavelmente, nós devemos cair, nesse ano que terminou, acima de 3% de PIB, e qualquer ponto que a gente caia em 2016 é muito mais grave do que o que nós caímos em 2015 porque já é sobre uma renda per capita ultradeprimida. Então, se cair um ponto, é mais forte do que foi em relação a 2014. O que pode levar a uma crise sem precedentes na nossa história recente. Ao mesmo tempo, você vê isso e vê uma presidente sem a credibilidade necessária pelos agentes econômicos, sem o apoio da população, que está revoltada hoje e vai estar mais revoltada amanhã. E sem um projeto, sem governo. Fala-se muito em crise. Vou dizer o que vivi no Senado neste ano. A maior crise política é um governo sem base política. Todas as crises foram geradas pela base do governo. Nós não representamos 20% do Senado. Nós não temos maioria para derrotar nada no Senado. Nem pra ganhar nada. Quem derruba é a base do governo. Mais grave ainda: boa parte é do partido do governo. Um governo que não tem partido nem apoio do seu partido: a base da crise é toda essa. Qual é a perspectiva? O governo vai ter apoio do partido e da base neste ano? A gente já está vendo aí com o ministro novo, o (Nelson) Barbosa, atrito com o presidente do PT (Rui Falcão). Isso não existe. A presidente não tem nada que oferecer a nós e ao país. A presidente não vai ser impedida. Mas vai fazer o que com o governo? Conseguir ficar três anos assim é improvável. Um impeachment também é improvável. Porque, na hora da luta pelo poder mesmo, e aí existe muito fisiologismo e clientelismo, ela (Dilma) tem maioria. Não existe maioria parlamentar para derrubá-la. Não sei nem dos aspectos jurídicos, porque não sou advogado e existem prós e contras. Mas, que ela está perdendo as condições de governar, está. A hipótese da cassação pelo Tribunal Eleitoral (TSE) é outra. Pelo que sei e pelas análises, não parece uma saída provável. Renúncia é improvável. A outra (possibilidade) é recuperar o seu partido através de uma reviravolta e de uma liderança para que possa conseguir dar uma luz para todos. Também isso é improvável.
OP – O senhor acha que o pedido de impeachment perdeu força depois da decisão do Supremo estabelecendo um rito para o processo?
Tasso – Acho que, se tivesse sido votado (o impeachment) agora em janeiro, não teria a maioria para afastar(a presidente).
OP – Mesmo com essa base e uma margem pequena na Câmara?
Tasso – Mesmo com essa margem estreita. Mas, também não sei como vai ficar com tudo isso. Desentendimentos dela com o PT, o PMDB e a própria questão econômica. Não sei como as coisas vão estar daqui a quatro meses. Ninguém sabe.
OP – O senhor já sabe como votaria se chegasse no Senado o pedido de impeachment?
Tasso – A minha posição é a seguinte: eu acho que, do jeito que as coisas estão, vai ser muito ruim para o país nós passarmos três anos vivendo dessa maneira. Mas, não votaria nunca alguma coisa que eu achasse que feriria as instituições. Eu sou de uma geração para a qual a conquista da democracia é sagrada. Isso vale mesmo três anos de sacrifícios. Mas, como eu disse antes, vai ser muito doloroso para o país viver três anos do jeito que estamos vivendo.
OP – Como o senhor vê as respostas do governo para a economia?
Tasso – Eu não vejo respostas até agora, esse é que é o problema. De um lado, você ouve analistas dizendo que o Barbosa vai fazer isso e, do outro lado, dizendo que ele vai subir os juros. E o presidente do PT já se posiciona contra. Até agora, nós continuamos sem rumo. Raciocinando em hipótese: eu não vejo margem para o país neste momento usar nenhum tipo de recurso público para estimular o crescimento. O único recurso público disponível, mas que, na verdade, não está disponível, é a confiança. Dinheiro mesmo, não tem. A única possibilidade que vejo de acenar com coisas concretas é recuperar a credibilidade e a confiança.
OP – Como é o que o empresário Tasso Jereissati tem percebido essa crise?
Tasso – Tenho percebido na carne. Não estou no dia a dia das empresas, mas vejo os relatórios. São preocupantes. Foram ruins no ano passado e as expectativas neste ano são piores ainda. E estou num setor que não é dos piores. A siderurgia brasileira, por exemplo, está liquidada. Incorporação imobiliária no país, de maneira geral, está vivendo uma situação gravíssima. Setor automotivo, nem se fala. O número de demissões já é assustador. Ano passado, na soma dos nossos empreendimentos, nos quais sou acionista, há uma queda significativa. Não é que não cresceu. É queda significativa de receita.
OP – O que o senhor está achando do primeiro ano de governo de Camilo Santana (PT)? O senhor esteve com ele na semana passada.
Tasso – Um ano é pouco. Um ano difícil para o Brasil inteiro e, como acabei de dizer, mais ainda para o Ceará. Acho que Camilo é bem-intencionado, mas está vivendo um momento difícil. Neste ano, espero que faça alguns ajustes na equipe dele. No enfrentamento desses problemas que falei, acho que ele precisa fazer ajustes na sua equipe para deixar de ser apenas um primeiro ano de aprendizado e começar a ter algumas ações mais visíveis.
OP – O senhor disse isso pra ele?
Tasso – Não me cabe dizer isso pra ele. O que posso dizer que é acho que ele é uma pessoa muito bem-intencionada.
OP – O senhor percebe alguma mudança em relação ao estilo de Cid Gomes?
Tasso – Muito diferente. O estilo é muito diferente. Completamente. Todas as pessoas falam isso. Ele (Camilo) é uma pessoa bastante acessível, agradável, ouve bastante e muito mais aberta, com certeza.
OP – Por muito tempo, a promessa de uma refinaria representou um ideal de alavancagem da economia do Ceará. Hoje, um empreendimento de natureza diferente ocupa esse lugar de destaque, que é o hub da TAM. O senhor tratou desse assunto
com o governador?
Tasso – Esse projeto é importantíssimo. Esse projeto pode ter consequências pra geração de emprego maior até do que uma refinaria, a longo prazo, se for bem trabalhado. É o projeto mais importante que nós temos à mão. Tratamos, sim, com o governador. Colocamo-nos à disposição naquilo que nós pudermos ajudar. E ele está no projeto. A possibilidade (de vinda do hub) é muito grande, mas nós temos que ultrapassar alguns obstáculos ainda. Por exemplo, a licitação, ampliação e privatização do aeroporto (Pinto Martins) são fundamentais.
OP – Eleições municipais à porta. Há uma série de nomes para a disputa em Fortaleza postos à mesa. O PSDB já se debruçou sobre o assunto?
Tasso – Na verdade, quem conduz isso hoje é o presidente do partido, Luiz Pontes, que tem tido muitas conversas. Há uma orientação do diretório nacional de que o PSDB tenha candidatura própria nas principais cidades. Evidente que essa orientação não é uma obrigação e que depende muito das circunstâncias de cada uma das cidades. Em Fortaleza, nós estamos fazendo essa avaliação. Nós vamos ouvir a opinião de todo mundo. A orientação é de candidatura própria, o que não impede de a gente analisar melhor a situação de Fortaleza e as circunstâncias que seriam melhores politicamente para o PSDB.
OP – O senhor tem conversado com a ex-prefeita Luizianne Lins (PT)?
Tasso – Conversado, não. Tenho encontrado sempre nos corredores do Congresso. E, pelo que tenho visto dela, tem disposição de ser candidata. Pelo que ela me disse lá. Mas não tive oportunidade de sentar e conversar mais longamente.
OP – Por diversas razões, essas eleições municipais prometem ser diferentes. É a primeira pós-crise. E tem uma alteração significativa na forma da disputa, com o fim do financiamento empresarial.
Tasso – Isso é muito sério. Sem o financiamento das empresas, vai ser uma eleição que vai estimular novamente o caixa dois. Eu temo muito pela nova regra. Ninguém sabe como vai fazer. Vai ter uma luta de especulação. Ao mesmo tempo, vamos estar vivendo ainda o escândalo da Operação Lava Jato. Acho que vai ser uma eleição inteiramente judicializada e de acusações sobre uso de recursos. Sem empresa e com a pessoa física limitada, porque não pode doar depois de um determinado limite. Você imagina que, pra fazer cartaz, carro de som… Isso vai praticamente desaparecer. Vai ser uma história de pedir auditoria do outro lado. Acho que essa legislação vai morrer nesta eleição. Eu fiz uma proposta que passou no Senado, mas foi derrotada na Câmara, para que as empresas tivessem limite de doação. Tem empresa que doou R$ 300 milhões para eleições. Isso é imoral. Não pode.
OP – Com a perspectiva do PSDB chegar ao poder, isso aprofunda a divisão interna entre candidatos, inclusive com a ameaça de Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, sair. Como o senhor avalia esse cenário?
Tasso – Não entendo esse tipo de preocupação política. Isso, pra nós, é ótimo. Um partido que tem vários quadros para presidente da República. Ruim é não ter ninguém. É o caso do PMDB. É o caso do PT, que não tem ninguém. O Partido Republicano tem oito ou nove candidatos disputando nos Estados Unidos. Quanto mais quadros tiver, significa que esse partido está melhor, está mais forte e tem mais energia pra disputar a eleição. Isso não é problema. Se aparecer um quarto nome, acho melhor ainda.
OP – O quarto nome poderia ser o senhor?
Tasso – Não, não. Não estou para quarto nem para terceiro nome. Tive uma época em que poderia ter sido realmente (candidato à Presidência), mas passou.
OP – Como o senhor avalia essas denúncias envolvendo o PSDB e Renan Calheiros (PMDB)?
Tasso – Houve uma denúncia recente (feita pelo ex-diretor de Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró). Até agora, eu não considero. É muito vaga. É uma coisa de ouvir falar. Pelo presidente Fernando Henrique, eu boto a mão no fogo. Se houve algum tipo de malversação feita durante o governo? É possível. De alguém isoladamente. Nunca de esquema institucionalizado de partido. Pode ter tido, mas isoladamente. Como no meu governo. E teve. Casos aqui e ali dos quais eu soube e tomei providências, e outros dos quais talvez nunca tenha sabido. É possível garantir que não houve uma coisa institucionalizada, a partir do governo, com ligações e interligações oficiais. No caso do Renan, eu não sei. Eu não vi. Muita gente está citando o Renan, mas ainda não chegou nada contundente, como tem do Eduardo Cunha. Se vier, é outra crise. Porque vai jogar no coquetel de problemas que nós temos, como economia, crise política e crise na Câmara, o único lugar que está tendo certo equilíbrio.
O POVO – O senhor chegou ao senado pela primeira vez na mesma época em que o PT chegava ao poder. E voltou ao Senado agora neste segundo mandato da Dilma. O que mudou nesse ambiente político de Brasília e na expectativa em relação ao PT?
Tasso Jereissati – Mudou tudo. Mas mudou e não foi pouco. Foi tudo, completamente. Como se fosse outro mundo. Quando cheguei no Senado, o Lula assumindo a Presidência da República, havia uma expectativa extremamente otimista em relação ao PT e ao Lula, principalmente. Havia o grande respeito, inclusive da oposição. Eu mesmo fiz um discurso saudando ao presidente Lula, dizendo que aquele momento era importante para o Brasil. Afinal de contas, era uma solidificação de uma democracia. Um presidente que era um sindicalista, um operário de colarinho azul, do chão de fábrica, de um partido de esquerda, que tomava posse eleito democraticamente sem que nenhuma vidraça tivesse sido quebrada.
Então, isso era bom pro Brasil. Ao mesmo tempo, tinha uma inflexão positiva da política econômica quando, na época, o Palocci acenava com sua equipe para uma continuação, só que num âmbito diferente, da política que o governo Fernando Henrique tinha implantado. Era positivo porque você sinalizava que não ia quebrar um processo que vinha dando certo ao qual seria dada a continuidade, só que nuances diferentes. E havia o respeito do mundo inteiro e da população brasileira pelo Lula também pelo que estava acontecendo no Brasil. Esse era o clima, até de uma certa euforia. E, na oposição, havia uma disposição, frente ao cenário que nós respeitávamos, de colaborar naquilo que fosse “colaborável” para que o Brasil fosse adiante. Hoje é exatamente o oposto de tudo isso. Um PT desmoralizado, sem credibilidade, sem o respeito nem nosso, da oposição, nem da população, nem do mundo. O Brasil desmoralizado. A economia em frangalhos, numa das piores situações que eu já vivi na minha vida. E, moralmente, que era uma esperança que se tinha no PT, que viesse a ser uma referência de conduta moral e ética no governo, essa, então, totalmente jogada por terra. E, o pior, sem perspectiva. Sem luz no fim do túnel. Sem uma referência que diga: é por aqui que nós vamos sair.
Desde problemas na economia até a Lava Jato, uma degradação de valores. Até problemas sociais, como nós estamos vivendo aqui. Problemas gravíssimos, como esse do zika vírus e da microcefalia. Parece até que nós estamos voltando, em determinados pontos, à Idade Média, por falta de controle sobre as questões da saúde.
OP – Quando o PT é eleito, em 2002, cria-se uma espécie de bordão, que acabou se consolidando depois, que foi se referir aos oito anos da gestão FHC como uma herança maldita. Essa crise, que vem se tornando mais grave a cada dia, reabilita esse período de governo?
Tasso – Eu não falaria de reabilitação. Eu acho que esse foi um dos grandes erros. O PT não soube ser poder em aspecto nenhum. Quando a gente ganha eleição, e principalmente num país como Brasil, a gente busca unir. Você ganha eleito por uma parte da população, mas vai governar com o país inteiro. E você tem que ter essa perspectiva: quando mais houver soma, quanto mais houver união, quanto menos houver desagregação, mais importante para construir algo sólido e que traga benefícios de longo prazo.
O PT não soube assumir o poder porque, quando teve a oportunidade, a primeira coisa que fez foi tentar, o máximo possível, espezinhar e acusar os derrotados; dividir o Brasil entre nós e eles: nós, partidos que ganhamos, contra eles. Depois, eles, da elite, contra nós, do povo. Criou um Brasil muito dividido. Não apenas dividido, mas com um sentimento de rancor muito profundo, que a gente sente hoje espalhado pela população. Foi um erro fundamental de visão filosófica de governo e de poder que o PT teve. A preocupação em ser chamado de “herança maldita”… Não é o fato de ter acontecido o que aconteceu com o governo atual que iria dar o devido valor (ao governo FHC). A história sempre faz, um pouco mais tarde ou um pouco mais cedo, mas a história faz justiça aos governos.
OP – O PSDB, em alguns momentos, não deixou de defender alguns legados do governo FHC. Nos debates de campanhas, o PSDB não fugiu desse debate?
Tasso – Você tem razão. O nível de popularidade do Lula era tão grande, que era difícil. O PT, usando dessa popularidade do governo, demonizou algumas palavras, como privatização, liberal e neoliberal.
Ficou demonizado. Numa dessas eleições, no ápice do PT, havia uma discussão sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Cheguei numa cidade do interior muito pequena e na entrada da igreja tinha um livro de assinatura contra a Alca. E eu perguntei: por que isso? O senhor não sabia: os Estados Unidos vão tomar conta do Brasil. O PT criou esse tipo de demonização, que ficou imune a qualquer debate, a qualquer discussão mais racional. Isso, de uma certa maneira equivocada, intimidou o PSDB durante algumas campanhas eleitorais.
OP – Hoje o PSDB vive uma situação inversa, com uma presidente de popularidade rasteira. Como o senhor avalia a postura do partido hoje, principalmente na Câmara, como no caso do apoio a Eduardo Cunha (PMDB-RJ)?
Tasso – É importante lembrar o seguinte: o partido não votou no Eduardo Cunha para presidente da Câmara. O candidato do PSDB foi derrotado (Júlio Delgado, deputado do PSB). Em algumas votações, a meu ver, equivocadamente, (o PSDB) votou errado. Não necessariamente porque estava unido ao Eduardo Cunha, mas porque estava achando que aquilo era fazer oposição. Ser contra o governo era fazer oposição. Em determinadas situações, nem sempre isso é verdade. Houve uma união com Eduardo Cunha em determinadas votações pelas circunstâncias, e algumas delas equivocadas.
OP – O senhor falou em falta de perspectiva. O senhor acredita que vai haver impeachment e acredita que deve haver impeachment?
Tasso – Essa é uma resposta muito difícil. Outro dia ouvi uma definição de alguém que disse o seguinte: nós temos cinco hipóteses do que vai acontecer – todas elas improváveis. É o que nós estamos vivendo. Acho que nós vamos ter um 2016 dificílimo, do ponto de vista da economia. Não sei até que ponto vai essa dificuldade. Provavelmente, nós devemos cair, nesse ano que terminou, acima 3% de PIB, e qualquer ponto que a gente caia em 2016 é muito mais grave do que o que nós caímos em 2015 porque já é sobre uma renda per capita ultradeprimida. Então, se cair um ponto, é mais forte do que foi em relação a 2014. O que pode levar a uma crise sem precedentes na nossa história recente.
Ao mesmo tempo, você vê isso e vê uma presidente sem a credibilidade necessária pelos agentes econômicos, sem o apoio da população, que está revoltada hoje e vai estar mais revoltada amanhã, e sem um projeto, sem governo. Fala-se muito em crise. Vou dizer o que vivi no Senado neste ano. A maior crise política é um governo sem base política. Todas as crises foram geradas pela base do governo. Nós não representamos 20% do Senado. Nós não temos maioria para derrotar nada no Senado. Absolutamente nada. Nem pra ganhar nada. Quem derruba, ou vai derrubar ou votar, é a base do governo. Mais grave ainda: boa parte é do partido do governo. O PT foi a maior oposição ao ministro do governo (ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, que foi substituído por Nelson Barbosa, ex-ministro do Planejamento).
Não vamos discutir o mérito, mas é ministro do governo. Não existe, numa democracia republicana representativa, um governo presidencialista sem partido político que lhe dê apoio, nem o seu próprio. Um governo que não tem partido nem apoio do seu partido: a base da crise é toda essa. Qual é a perspectiva? O governo vai ter apoio do partido e da base neste ano? A gente já está vendo aí com o ministro novo, o Barbosa, atrito com o presidente do PT (Rui Falcão). Isso não é existe. A presidente não tem nada que oferecer a nós e ao país. A presidente não vai ser impedida. Mas vai fazer o que com o governo, se ela não tem uma base? Conseguir ficar três anos assim é improvável.
Um impeachment também é improvável. Porque, na hora da luta pelo poder mesmo, e aí existe muito fisiologismo e clientelismo, ela (Dilma) tem maioria. Não existe maioria parlamentar para derrubá-la. Não sei nem dos aspectos jurídicos, porque não sou advogado e existem prós e contras. Mas, que ela está perdendo as condições de governar, está. A hipótese da cassação pelo Tribunal Eleitoral (TSE) é outra. Pelo que sei e pelas análises, não parece uma saída provável. Renúncia é improvável. A outra (possibilidade) é recuperar o seu partido através de uma reviravolta e de uma liderança para que possa conseguir dar uma luz para todos. Também isso é improvável.
OP – O senhor acha que o pedido de impeachment perdeu força depois da decisão do Supremo estabelecendo um rito para o processo?
Tasso – Acho que, se tivesse sido votado (o impeachment) agora em janeiro, não teria a maioria para afastar (a presidente).
OP – Mesmo com essa base e uma margem pequena na Câmara?
Tasso – Mesmo com essa margem estreita. Mas, também não sei como vai ficar com tudo isso. Desentendimentos dela com o PT, o PMDB e a própria questão econômica. Não sei como as coisas vão estar daqui a quatro meses. Ninguém sabe.
OP – O senhor já sabe como votaria se chegasse no Senado o pedido de impeachment?
Tasso – A minha posição é a seguinte: eu acho que, do jeito que as coisas estão, vai ser muito ruim para o país nós passarmos três anos vivendo dessa maneira. Mas, não votaria nunca alguma coisa que eu achasse que feriria as instituições. Eu sou de uma geração para a qual a conquista da democracia é sagrada. Isso vale mesmo três anos de sacrifícios. Mas, como eu disse antes, vai ser muito doloroso para o país viver três anos do jeito que estamos vivendo.
OP – O senhor falou que o ambiente político depende muito da base política, mas também da saúde da economia. Levy saiu. Houve pressão muito grande. Barbosa assume. O governo parece ter acenado com algumas soluções que lembram o receituário do primeiro mandato da presidente, com crédito subsidiado etc. Como o senhor vê as respostas do governo para a economia?
Tasso – Eu não vejo respostas até agora, esse é que o problema. De um lado, você ouve analistas dizendo que o Barbosa vai fazer isso e, do outro lado, dizendo que ele vai subir os juros. E o presidente do PT já se posiciona contra. Até agora, nós continuamos sem rumo. Raciocinando em hipótese: eu não vejo margem para o país neste momento usar nenhum tipo de recurso público para estimular o crescimento.
O único recurso público disponível, mas que, na verdade, não está disponível, é a confiança. Dinheiro mesmo, não tem. Nós vamos ter um déficit neste ano – e déficit é aquilo que, na sua casa, você gastou a mais do que ganhou – de R$ 100 bilhões. Nós começamos 2016 com uma perspectiva de outra déficit, menor mas outro déficit. A nossa dívida pública está crescendo de maneira absolutamente assustadora. O que mais assusta hoje na economia, principalmente na comunidade financeira, é o ritmo do crescimento da nossa dívida. Qualquer coisa que signifique aumentar a nossa dívida vai assustar mais ainda os investidores e afetar os índices econômicos. A única possibilidade que vejo de acenar com coisas concretas é recuperar a credibilidade e a confiança. E o Barbosa até agora não foi capaz de fazer.
Pelo contrário, num primeiro momento, ele piorou as expectativas com a entrada dele e a saída do Levy. Tem que ser dado o voto do confiança, mas, até o momento, não vejo sinalização dada ainda.
OP – O senhor, pela experiência que tem, já se colocou, em algum momento, no lugar da Dilma e pensou sobre o que faria no meio dessa crise?
Tasso – Nem por experiência, nem por sonho. Já tive muito problema na minha vida pra ficar inventando um. Talvez o Collor tenha vivido coisa parecida. Eu não conheço ninguém que tenha vivido algo parecido. Ela (Dilma) é muito isolada. Não só em relação ao Congresso. Dentro do governo, ela é muito isolada. Ela tem duas ou três pessoas que a cercam ali. Tem a ver com próprio temperamento dela, que é muito peculiar.
OP – Como é o que o empresário Tasso Jereissati tem percebido essa crise?
Tasso – Tenho percebido na carne. Não estou no dia a dia das empresas, mas vejo os relatórios. São preocupantes. Foram ruins no ano passado e as expectativas neste ano são piores ainda. E estou num setor que não é dos piores. A siderurgia brasileira, por exemplo, está liquidada. Incorporação imobiliária no país, de maneira geral, está vivendo uma situação gravíssima. Setor automotivo, nem se fala. O número de demissões já é assustador. Ano passado, na soma dos nossos empreendimentos, nos quais sou acionista, há uma queda significativa. Não é que não cresceu. É queda significativa de receita.
OP – O PIB do Ceará caiu mais que o nacional no ano passado. Quais os reflexos da crise aqui?
Tasso – O Ceará é um centro especial de preocupação. Estamos no meio desse turbilhão. Estamos numa crise que, pra mim, é inaceitável, que é a questão da zika, microcefalia e dengue. Chegou num agravamento que não dá mais. Vamos dar um basta nisso. Não podemos viver num estado onde as mulheres têm medo de engravidar. É a Idade Média. Precisamos de ações imediatas e enérgicas. A outra questão é a da seca. Se confirmados os prognósticos, nós teremos uma das piores secas dos últimos anos. E a outra questão é o decréscimo na produção industrial, que tem consequências no PIB. Então, esse somatório de coisas forma um quadro preocupante para o Ceará também. Acho que nós ainda não acendemos a luz vermelha necessária para alertar da gravidade dessa crise.
OP – O que o senhor está achando do primeiro ano de governo de Camilo Santana (PT)? O senhor esteve com ele ontem (na segunda-feira da semana passada).
Tasso – Um ano é pouco. Um ano difícil para o Brasil inteiro e, como acabei de dizer, mais ainda para o Ceará. Acho que Camilo é bem-intencionado, mas está vivendo um momento difícil. Neste ano, espero que faça alguns ajustes na equipe dele. No enfrentamento desses problemas que falei, acho que ele precisa fazer ajustes na sua equipe para deixar de ser apenas um primeiro ano de aprendizado e começar a ter algumas ações mais visíveis.
OP – O senhor disse isso pra ele?
Tasso – Não me cabe dizer isso pra ele. O que posso dizer que é acho que ele é uma pessoa muito bem-intencionada.
OP – O senhor percebe alguma mudança em relação ao estilo de Cid Gomes?
Tasso – Muito diferente. O estilo é muito diferente. Completamente. Todas as pessoas falam isso. Ele (Camilo) é uma pessoa bastante acessível, agradável, ouve bastante e muito mais aberta, com certeza.
OP – O senhor já vinha alertando sobre a refinaria no Ceará. Acha que ela ainda pode sair?
Tasso – Refinaria está morta há muito tempo. Tenho dito isso há muito tempo. Desde que foi pra Abreu e Lima, em Pernambuco. A refinaria estava acertada pra cá. No momento em que o Lula tomou a decisão de fazer Abreu e Lima, a refinaria aqui morreu. Tudo foi encenação. A palavra mais correta é mentira de todos que protagonizaram aquilo. Dizer que o projeto era inviável? Claro que era inviável fazer duas refinarias, uma ao lado da outra. E uma do Maranhão. Não existe nem a daqui nem a do Maranhão.
Foi uma das maiores farsas do Ceará. Mas acho que hoje já não é mais importante. O mundo mudou tanto de lá pra cá, que não é mais uma máquina de alavancar o desenvolvimento como foi no passado. A tendência hoje é se partir para fontes de energia limpa. É a tendência mundial, é nisso que a gente deveria estar investindo. A gente tem esses problemas urgentes, de curto prazo: questão da saúde, questão da segurança, da seca, da queda da produção. E tem uma questão de longo prazo. Em vez de refinaria, devíamos estar fazendo investimento em pesquisa, desenvolvimento e atração de energia limpa.
Aqui nós temos um dos lugares mais favoráveis do mundo. Energia solar, eólica, que nós fomos pioneiros. Fomos o primeiro estado do Brasil a ter experiência com eólica. E dessanilização da água do mar. Essas são as três fontes de desenvolvimento tecnológico e industrial que podem ser alavancadas por aqui.
OP – O senhor falou que a refinaria representou, durante muitas décadas, esse ideal de alavancagem da economia do Ceará. Hoje, um empreendimento de natureza diferente ocupa esse lugar de destaque, que é o hub da TAM. O senhor tratou desse assunto com o governador? Como vê a possibilidade de atração desse negócio?
Tasso – Esse projeto é importantíssimo. Esse projeto pode ter consequências pra geração de emprego maior até do que uma refinaria, a longo prazo, se for bem trabalhado. É o projeto mais importante que nós temos à mão. Tratamos, sim, com o governador. Colocamo-nos à disposição naquilo que nós pudermos ajudar. E ele está no projeto. A possibilidade (de vinda do hub) é muito grande, mas nós temos que ultrapassar alguns obstáculos ainda. Por exemplo, a licitação, ampliação e privatização do aeroporto (Pinto Martins) são fundamentais.
Ou seja, uma palavra que estava demonizada passa a ser sagrada e santificadora. Porque, sem ela, o aeroporto que não tiver privatização da sua administração, não vai ter o hub. Esse é o grande gargalo que nós ainda temos. Como o governo já conseguiu o terreno do da Base Aérea, nas outras questões, nós estamos muito bem situados.
OP – O senhor acredita que, num ambiente de crise, vai haver liberação de dinheiro para um projeto como o Acquario?
Tasso – Não acredito nem que vai haver liberação de dinheiro nem que seja prioritário neste momento. Se nós tivéssemos condições de garantir que não teríamos nenhum tipo de risco ao turista, nem por ação de violência nem por contaminação de dengue, seria muito mais importante do que o Acquario. Já disse lá atrás que não acreditava.
OP – Depois de ficar afastado durante quatro anos da política, como foi esse retorno ao comando das empresas?
Tasso – Foi de muito aprendizado. A gente passou de um período de euforia para um período de pessimismo. Ao mesmo tempo, o mundo ficou completamente mudado em relação à época em que eu estive à frente das empresas. A Internet, a informática, mudou de cabeça pra baixo a maneira de gerenciar e a relação entre as empresas. Até o tipo de empresa que morreu e que nasceu nesse período foi enorme. No dia de hoje, cada vez essas mudanças são mais rápidas. Uma empresa que hoje está bem ali, na esquina, vivendo muito bem, daqui a dois anos pode não existir e, num negócio que você nunca imaginou, pode estar surgindo um gigante. É preciso estar muito consciente e ligado ao que acontece. E, neste mundo, duas palavras são fundamentais: conhecimento e eficiência.
OP – E, pensando nas mudanças do período, como foi o redesenho das empresas?
Tasso – O crescimento é uma palavra chave. O modelo de governança é fundamental dentro de uma perspectiva de crescimento. E o que a gente chama de governança hoje é completamente diferente daquilo que a gente chamava de profissionalização. No passado, falava-se que profissionalizar era entregar a diretoria a profissionais e tirar a família. Não é mais isso. É outro modelo de gestão. E tem que acompanhar necessariamente um processo de crescimento e inovação.
OP – O mercado de shoppings mudou muito?
Tasso – Muito. Tem uma superoferta de shoppings. O mercado, nessas coisas, não perdoa. Leva uma crise pro setor. Mas não é só aqui, é no Brasil inteiro. Shoppings de mais causam um excesso de metros quadrados comerciais, que geram uma crise no setor. Em determinado momento, vai ter um ajuste. Nós estamos passando por esse período de ajuste.
OP – Eleições municipais à porta. Há uma série de nomes para a disputa em Fortaleza postos à mesa. O PSDB já se debruçou sobre esse cenário? A candidatura própria é uma possibilidade concreta?
Tasso – Na verdade, quem conduz isso hoje é o presidente do partido, Luiz Pontes, que tem tido muitas conversas. Há uma orientação do diretório nacional de que o PSDB tenha candidatura própria nas principais cidades. Evidente que essa orientação não é uma obrigação e que depende muito das circunstâncias de cada uma das cidades. Em Fortaleza, nós estamos fazendo essa avaliação. Nós vamos ouvir a opinião de todo mundo. A orientação é de candidatura própria, o que não impede de a gente analisar melhor a situação de Fortaleza e as circunstâncias que seriam melhores politicamente para o PSDB.
OP – O senhor tem conversado com a ex-prefeita Luizianne Lins (PT)?
Tasso – Conversado, não. Tenho encontrado sempre ela nos corredores do Congresso. E, pelo que tenho visto dela, ela tem disposição de ser candidata. Pelo que ela me disse lá. Mas não tive oportunidade de sentar e conversar mais longamente.
OP – E, no Interior, qual é a perspectiva do PSDB?
Tasso – Nós estamos com um bom quadro de candidatos. Em boa parte dos municípios importantes, nós temos bons candidatos. Temos bons candidatos em Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha, Sobral, Quixadá, Itapipoca… A gente está tentando construir esse novo partido numa base mais sólida, menos volúvel. Um dos problemas da política no Brasil e no Ceará é a chamada volubilidade dos políticos. A gente quer algo que, mesmo menor, mais sólido, que tenha mais compromisso. Estou falando dos problemas que nós temos aqui. Um dos problemas, do meu tempo de governador pra cá, é o desaparecimento da oposição.
Encontrei, por coincidência, com o ex-secretário doutor Anastácio (Queiroz, ex-titular da Saúde no governo Tasso), que me falava sobre a oposição acirrada que tinha contra a gente. E ele disse: como foi boa aquela oposição. A gente tinha que estar atento a todo erro. E agora, de uns anos pra cá, desapareceu a oposição. E o próprio governante começa a achar que está tudo muito bem porque não tem oposição. Quando ele vê alguma crítica, ele não gosta. Porque não pressão suficiente. Estou lincando isso com a vulnerabilidade dos políticos. Eles passaram a aderir ao governo com muita facilidade. Oposição virou uma palavra incômoda.
OP – Por diversas razões, essas eleições municipais prometem ser diferentes. É a primeira pós-crise. E tem uma alteração significativa na forma da disputa, com o fim do financiamento empresarial.
Tasso – Isso é muito sério. Sem o financiamento das empresas, vai ser uma eleição que vai estimular novamente o caixa dois. Eu temo muito pela nova regra. Ninguém sabe como vai fazer. Vai ter uma luta de especulação. Ao mesmo tempo, vamos estar vivendo ainda o escândalo da Operação Lava Jato. Acho que vai ser uma eleição inteiramente judicializada e de acusações sobre uso de recursos. Sem empresa e com a pessoa física limitada, porque não pode doar depois de um determinado limite. Você imagina que, pra fazer cartaz, carro de som… Isso vai praticamente desaparecer. Vai ser uma história de pedir auditoria do outro lado. Acho que essa legislação vai morrer nesta eleição. Eu fiz uma proposta que passou no Senado, mas foi derrotada na Câmara, para que as empresas tivessem limite de doação. Tem empresa que doou R$ 300 milhões para eleições. Isso é imoral. Não pode.
OP – Como o senhor avalia a gestão do prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT)?
Tasso – Acho que o prefeito Roberto Cláudio, nos dois primeiros anos, fez uma administração de estudos da cidade, mas acho que é razoável. Eu não tenho andado nos bairros ultimamente, mas criticam as ações dele nos bairros de Fortaleza. As críticas que tenho ouvido muito severas a ele dizem respeito à questão da saúde.
OP – O senhor concorda com o Cid Gomes, que já disse que a grande dificuldade do prefeito será chegar ao segundo turno?
Tasso – Pelo contrário. Acho que ele chega ao segundo turno. Para o candidato que já está no governo, quanto mais candidatos, melhor. Pelo que tenho visto, nós vamos ter uma quantidade enorme de candidatos, a participação dele no segundo turno é a mais certa. Todo candidato que está no poder tem um mínimo assegurado de 20%. Se você atomizar os outros candidatos, a possibilidade de ter alguém ou dois com 20% também é muita pequena. Você tem o candidato do governo e vai ter Heitor (Férrer, PSB), Wagner (PR), Valim (Vitor Valim, PMDB), Luizianne e alguém do Psol, que seria o Renato Roseno. Se você parte do pressuposto de que ele tem 20%, a oposição vai sair muito pulverizada.
OP – Com a perspectiva de o PSDB chegar ao poder, diante do desgaste da Dilma, há acirramento dentro do partido, inclusive com possibilidade de saída do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Qual a avaliação do senhor sobre esse quadro interno?
Tasso – Não entendo esse tipo de preocupação política. Isso, pra nós, é ótimo. O partido que tem vários quadros para presidente da República. Ruim é não ter ninguém. É o caso do PMDB. É o caso do PT, que não tem ninguém. O Partido Republicano tem oito ou nove candidatos disputando nos Estados Unidos. Quanto mais quadros tiver, significa que esse partido está melhor, está mais e tem mais energia pra disputar a eleição. Isso não é problema. Se aparecer um quarto nome, acho melhor ainda.
OP – O PSDB tem um candidato natural?
Tasso – Não. O candidato natural vai ser aquele que estiver em melhor condição na época da eleição.
OP – O quarto nome poderia ser o senhor?
Tasso – Não, não. Não estou para quarto nem para terceiro nome. Tive uma época em que poderia ter sido realmente (candidato à Presidência), mas passou.
OP – As denúncias da Operação Lava Jato não atingem apenas o PT e Eduardo Cunha (PMDB). Chegam agora também ao governo Fernando Henrique Cardoso e a Renan Calheiros. Como o senhor vê os efeitos dessas novas denúncias?
Tasso – Houve uma denúncia recente (feita pelo ex-diretor de Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró) Até agora, eu não considero. É muito vaga. Não fala quem deu nem quem recebeu. É uma coisa de ouvir falar. Pelo presidente Fernando Henrique, eu boto a mão no fogo. Se houve algum tipo de malversação feita durante o governo? É possível. De alguém isoladamente. Nunca de esquema institucionalizado de partido. Ou a partir de organização partidária, colocando aquilo dentro do aparelho governamental. Pode ter tido, mas isoladamente. Como no meu governo. E teve. Casos aqui e ali dos quais eu soube e tomei providências e outros dos quais talvez nunca tenha sabido. É impossível colocar a mão no fogo por todo mundo. É possível garantir que não houve uma coisa institucionalizada, a partir do governo, com ligações e interligações oficiais. Se, por acaso, essa denúncia, que me parece muito vaga, for verdadeira, que seja punido e julgado da maneira mais rigorosa possível. No caso do Renan, eu não sei. Eu não vi. Fulano falou de Renan ali. Muita gente está citando o Renan. Mas ainda não chegou nada contundente, como tem do Eduardo Cunha. Documentos. Se vier, é outra crise. No Senado, vai ser outro problema, porque vai jogar no coquetel de problemas que nós temos, como economia, crise política e crise na Câmara, o único lugar que está tendo certo equilíbrio.
OP – O senhor não acredita que a Lava Jato está revelando um esquema suprapartidário, que vai além do PT e do governo?
Tasso – Você tem duas coisas importantes para observar. Primeiro, nunca houve na história do Brasil uma corrupção institucionalizada. Sempre houve corrupção. Às vezes mais num governo ou mais no outro. Mas nunca houve uma coisa assim, em que a base da corrupção, a cabeça da corrupção, fosse o partido e o governo e houvesse uma organização criminosa montada com objetivo de roubar e extorquir. O governo se transformou numa máquina de arrecadação de propina através dos seus tentáculos com o objetivo de manter-se no poder e beneficiar os principais dirigentes do partido.
Corrupção, sempre houve. Num determinado ministério, de uma determinada pessoa, e o governo mais corrupto era aquele que tinha mais ou menos corruptos. Mas não institucional. Isso deteriorou todos os valores éticos que o governo e a sociedade devem manter. O bem público tornou-se uma coisa secundária. E tira também o foco do projeto. Qual é o projeto do país? Outra coisa importante: privatização. Ninguém quer privatizar por ideologia. Bom é aquele governo necessário. Não tem história de governo máximo nem de governo mínimo. Quanto maior o número de empresas governamentais, maior a chance de corrupção. E é por isso que muitos desses partidos defendem a estatização maior possível. Porque é lá que têm a oportunidade de se colocar os membros dos partidos nas diretorias e nas gerências. Quanto mais empresas, melhor.
OP – Mas a Lava Jato vem mostrando que o setor privado tem ativa participação nesses grandes esquemas de corrupção.
Tasso – Sem dúvida. O setor privado corrupto é parceiro do governo. Uma coisa puxa a outra. Não tem lado melhor nem pior. Mas, se não tiver essa parceria estatal, esse lado, não vai dar chance. Provavelmente, os vencedores do setor privado não seriam esses que estão aí. Seriam outros mais eficientes, que teriam ganho com outros métodos e não métodos de associação à corrupção. Não estou querendo isentar as empresas. Mas são frutos do mesmo sistema.
PERFIL
Tasso Jereissati, 67 anos, foi presidente do Centro Industrial do Ceará (CIC), governador do Estado por três vezes (1987-1990, 1995-1998 e 1999-2002) e senador da República de 2003 a 2011. Em 2010, sofreu sua primeira derrota eleitoral ao tentar se reeleger para a Casa. Afastado, disse que deixaria a vida política para cuidar dos netos. Em 2014, porém, Tasso se candidata novamente ao Senado. Foi eleito com 2.314.796 votos, derrotando Mauro Filho, apoiado pelo então governador do Estado, Cid Gomes. Empresário, comanda um dos grandes grupos econômicos do Ceará, responsável por empreendimentos como o Shopping Iguatemi.
BASTIDORES
1. Tasso Jereissati, 67 anos completados em dezembro passado, recebeu a equipe do O POVO no escritório que mantém no 12º andar da torre comercial ao lado do Shopping Iguatemi, empreendimento do qual é proprietário. O encontro foi realizado no fim da tarde da última terça-feira, 12.
2. Um dia antes, na segunda-feira, 11, Tasso havia visitado o governador Camilo Santana (PT), no Palácio da Abolição. A foto do encontro entre o petista e o tucano, no entanto, só foi postada nas redes sociais no dia seguinte. Nela, Camilo refere-se a Tasso como parceiro.”Na oportunidade conversamos sobre atual conjuntura, economia, seca, projetos de desenvolvimento e vários outros assuntos de interesse do nosso Estado”, disse o petista.
3. De pé direito alto, o escritório de Tasso é ocupado sobretudo por pinturas e estantes com livros. No centro dele, repousa um conjunto de sofás. Numa das prateleiras, ao lado de dicionários em língua estrangeira e de volumes da biografia Getúlio, de Lira Neto, o ex-governador guarda uma latinha de Coca-Cola (zero) com o seu nome.
4. Ao final da entrevista, que durou uma hora e quatorze minutos, quando perguntado se havia lido os diários do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicados no fim do ano passado, Tasso respondeu que “ainda não”. O senador contou que está esperando que FHC o autografe. Em seguida, sorrindo, quis saber se FHC falava alguma coisa sobre ele no livro.
PERGUNTA DO LEITOR
LEITOR – Como o nobre senador observa o momento que estamos vivendo na política brasileira? E qual a sugestão do senhor para que possamos conquistar o caminho do desenvolvimento dentro do estado democrático de direito?
Tasso Jereissati – É o pior momento da política que já vivi no Senado. A desorganização, a falta de liderança, a falta de articulação. É uma coisa absolutamente inédita na minha vida. É triste que estejamos vivendo uma situação como essa. Acho que nós estávamos no caminho. Fizemos as privatizações. O primeiro governo do Lula manteve esse caminho, que é uma visão do Brasil social. É necessária uma política que preserve o social, diminua as desigualdades e traga de volta à comunidade e aos agentes econômicos a confiança e a credibilidade.
Gonzaga Mota, ex-governador do Ceará